Radio Fusion

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

A Villa de Santa Isabel dos Canudos - 1882 -1893

A dignidade de um povo – 1882-1893
                O Vilamento

Este artigo busca referenciar os 11 anos de emancipação politica de Santa Isabel do Sul e, de certa forma, sintetizá-la no plano histórico do Brasil Meridional, analisando a sua importância na construção histórica da povoação à margem do São Gonçalo. Em meados do século 19, as charqueadas em pleno desenvolvimento, criação pastoril abundante e o escravismo como mola propulsora do desenvolvimento econômico e social, fazendo florescer nos centros urbanos e ruralizados, as novas elites agrárias de pensamento liberal. Neste sentido, reconstituir os aspectos sociais de Santa Isabel, é construir uma nova visão que abarca desde os seus valores econômicos, sua dinâmica social, produtivas e culturais. Já as limitações documentais impuseram constantes avaliações e seguir pistas da tradição oral, fruto, portanto da cultura espontânea das pessoas que moram ou moraram em Santa Isabel, foi, às vezes, caminho indispensável. Foram horas de conversas, anotações e a percepção de um orgulho latente de todos eles. Assim a velha Santa Isabel ressurge, reconstituindo o passado e projetando um futuro melhor com um relacionamento responsável entre a cidade mãe, Arroio Grande, e o atual distrito.
Com o aldeamento formado a partir dos anos de 1850 calcado principalmente em dois pilares básicos: a charqueada e a escravidão, Santa Isabel vislumbrava na sua estrutura portuária, uma potencialidade básica de desenvolvimento e exportação de suas riquezas. Mais dos isto, era porta de entrada e saídas de produtos, portal do contrabando institucionalizado do Prata, direcionando murmúrios e fervilhando ideias e sopros de ventos liberais, que tinham suas origens desde os tempos dos farroupilhas com seu Posto Fiscal em frente a Vila. Criava-se uma Vila, nascia uma utopia nas áreas “doadas pelo Cap. José Correia Mirapalheta em terrenos de sua propriedade” em 1859. Nesta época, em 1858, a população de Santa Isabel, ainda distrito do Arroio Grande, tinha 860 homens livres, 44 libertos e 1.144 escravos. Mas nem tudo foi silêncio como se imagina. Houve insurreições, resistência e sublevações ao trabalho forçado e fugas do mundo senhorial na Vila ou nas suas extensas fazendas, desde a Formosa até a Pedra Só. Fatos isolados e ainda pouco estudados como os atos de protestos a servidão silenciosa é que lentamente vai se analisando, contidos estes nas antigas experiências vividas no período da escravatura na região entre o Chasqueiro e o Piratini.
Murmúrios na costa portuária, movimentos da Marinha Mercante em defesa de Jaguarão diante da possibilidade da invasão dos blancos de Aguirre, os vapores e suas paragens obrigatórias antes de singrarem a Mirim, e por esses lados, não há uma repetição monótona do cotidiano. Circulam ideias, jornais, folhetos subversivos, negros alforriados, miseráveis, pencas concorridíssimas e bailes das oligarquias charqueiras. Ao mesmo tempo crescem as queixas contra o descaso da administração do Arroio Grande e a criação de um novo município se torna inquestionável. Por lei Provincial nº 1.368, em 09/05/1882, é criado o município de Santa Isabel dos Canudos.
Mas duraram pouco os festejos e o orgulho isabelense. Arroio Grande não se contentaria em perder em média 30 % de suas rendas e 60 % de seu território. Era um inimigo que agia nas trincheiras e interesses corporativos, mas enquanto o embate final não chegava o novo município se estruturava nos segmentos da saúde, educação, acessos e rendas municipais, oriundas dos impostos taxados das exportações de gado, das olarias, caieiras, casas de comércios e arrematações dos passos dos Canudos, Orqueta e Maria Gomes. Quando as águas começam a ameaçar a Vila em 1889, idealizam uma represa para proteger o povoado, sugerem a uma espécie de imposto predial, cobram tributos das charqueadas de Pelotas que tendiam a monopolizar o comércio. Santa Isabel tinha pressa e os entraves burocráticos continuavam atrelados ao Arroio Grande que insistia em revogar a lei da Assembleia que criava o município.

O desvilamento

Novos e fortes rumores circulavam na povoação. Arroio Grande não queria reanexar Santa Isabel, mas sim, o desejo de retomar uma parte territorial que abrangia a região das pedreiras de calcário e as enormes quantidades de pedras, onde mais tarde seria a Matarazzo. Em nada valeria o esforço e as contínuas queixas à Presidência da Província. Em 1890, é anexada a área em litígio. Estava a partir daquele momento decretada a falência do município. Arrastou-se por mais dois anos vivendo de rendas ínfimas e soterradas em convulsões sociais. As águas já não são mais ordeiras dos tempos passados agora invadem, assustam e já não duram de 3 a 4 dias como antes, mas semanas de preocupações e improdutividade no coração administrativo do município. Sucumbe definitivamente em 16/01/1893.
Voltava a ser distrito e seus antigos prédios da administração ficaram vazios. Não haveria mais decisões importantes a serem tomadas, nem debates ou projetos de desenvolvimento da localidade e, seriam todos, do Piratini ao Chasqueiro, submissos a vontade do Arroio Grande. Pouco importava a miséria do empobrecido municipio e suas baixas arrecadações nos últimos anos, pois a ira voltava-se sempre para o Arroio Grande. Listas de baixos assinados, brigas, violência tomavam as ruas e lugares públicos. Manifestações de orgulho e inconformidade pela anexação contagiavam políticos, os poucos que ainda ficaram na Vila e moradores mais exaltados. Mas tudo era silêncio em Arroio Grande e pela lógica, nem fora dele a obra de engenharia da reanexação, mas  sim do governo republicano que, no processo de reorganização territorial e administrativo do Estado, logo após instaurada a República, criava, restaurava ou extinguia municípios no Rio Grande do Sul, onde Santa Isabel, caracterizada pela sua rebeldia dos tempos passados, punia- se pela lógica financeira e interesses partidarizados.
A Revolução Federalista (1893-1895) aqui na região contribuiu em muito para a edificação do caos em Santa Isabel pós-supressão do município. Incapacitados de reprimir as manifestações revolucionárias, as forças policiais são presas fáceis e instrumentos de ações ineficazes. Invasões nos trilhos da Estação Piratini, tomada de Arroio Grande por tropas de Gumercindo ou Aparício Saraiva e consequentemente o medo instaurado.
Politicamente nada mais a fazer no Governo de Estado e sua fratricida guerra federalista no governo de Julio de Castilhos, mas a revolta e a resistência por meio arbitrários perduraram até a virada dos anos de 1900. Desordem social, vândalos oportunistas, abandono e despreparo do sistema policial marcaram a curta resistência que Santa Isabel podia oferecer. Restaram, diluídas no tempo, raízes frágeis de sentimentos passados, mas o fundamental é a reconstrução da cidadania e que seus moradores tenham o orgulho em sentirem-se os novos agentes de uma mudança de valores. Entender sua riqueza histórica e promover novas relações de um mundo diferente e uma sociedade em profundas mutações são o grande desafio, afinal, um Patrimônio Cultural do Estado merece e pode muito mais.

Cledenir Mendonça
Historiador

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Teixeirinha - 25 anos de sua morte

            Teixeirinha -  O legado de Vitor Mateus Teixeira

A exibição de filmes na Vila da Quinta começou na década dos anos 20,  na Sociedade e Instrução (SIRQ) que naquele período estava arrendada para o Grupo dos 15?... sendo que o prédio do cinema ficou pronto em 1930 aqui  no distrito.  Os famosos bailes de carnaval e as apresentações do  Jazz Band Grupo dos 15?... com a fineza e o encanto do que havia de melhor da música clássica entre nós,  seus saraus e apresentações semanais, tendo como mediador a sensibilidade e a paixão musical de Severino Gonçalves Terra, proprietário da Estância Sotéia,  no Taim.
Passou o tempo e para nós, crianças e adolescentes no final dos anos 70, por vezes,   esquecemos dos primeiros passos do cinema e a parafernália instrumental do tempo distante, da incipiente energia elétrica, dos estúdios móveis em viagens interioranas nos vagões de trem, nos caminhos percorridos no lombo de uma mula ou dos apresentadores em Kombi nos telões pelo interior nos armazéns mais visitados pelos moradores locais. Era, embora tardiamente, a dinâmica da modernização, como um fluido ortocromático, poesia e sensibilidade que chegava aos arrabaldes da cidade com a exibição de filmes. Para termos uma ideia, no 3º distrito, Povo Novo, chegaram a funcionar dois cinemas e a última apresentação de filmes na Vila da Quinta foi em 1982.
Nestes 25 anos da morte de Teixeirinha, comecei a me lembrar dos filmes que um dia assistimos, recapitulando sim um pouco da arte cinematográfica para entender melhor, de como uma projeção restitui ao expectador os seus espantos ou neste caso a memória. Era de certa forma, uma linguagem metafórica, de intimidade rural que em muito nos ligava  aos seus filmes. Creio que não fizemos parte do circuito de lançamento, mas vibramos com o palhaço Pipiolo e  nos dramas e amarguras quando o cinema lotado exibia “Coração de luto” (1960), “Motorista sem limite” (1969) ou “Tropeiro Velho” (1979). Foram 12 filmes, dezenas de empregos e que por vezes raras ousadias técnicas, misturadas ao simplismo do sempre galã com sua eterna amada Meri Terezinha.
Teixeirinha cantou e compôs em torno de 1200 músicas tendo gravado 600. Falou de amor, de personalidades, cidades e suas lembranças, definido no excelente trabalho do historiador rio grandino Francisco Alcides Gougo Junior, em sua dissertação de Mestrado, “Canta meu povo: uma interpretação histórica sobre a produção musical de Teixeirinha (1959-1985)”  pela UFRGS em março deste ano, algo como ‘composições ufanistas’. Veja em 
( http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/24844/000745908.pdf?sequence=1)
Cantava para o homem simples, falava daquilo que aprendera na vida e de seus galanteios gaudérios. Seus versos em quadras, às vezes simplistas, relembrava o campo, a vida livre num momento de intensa migração da população rural para a cidade e, nas ondas da potente Farroupilha, Teixeirinha “amanhecia cantando” com seus ouvintes desde o Acre, Mato Grosso e Paraná.
Hoje regravam suas músicas ao delírio dos mais novos, gurizada de pilchas que nem o conheceram, e por vezes ”Tropeiro Velho” de 1972, ou “Querência Amada” de 1975 surgem ao coro de milhares de vozes da multimídia atual, como um refrão que já beira os 40 anos. Vitor Teixeira compôs e filmou nos anos de exceção politica, mas nem se avalia o grau de distanciamento ou a aproximação com os militares no poder. Mas não faz mal, não é crime e o velho Teixeira tem cacife para o perdão, assim como tem, ainda entre nós, velhos adoradores do  regime ditatorial  que hoje pintam de democráticos ferrenhos e estão faceiros na defesa intransigente da cúpula do poder municipal.

Entre nós, ficou a lembrança dos tempos do DAER onde trabalhou nos anos 50  antes da fama, quando participou  na abertura  da estrada rumo a Santa Vitória do Palmar. Fez amigos por aqui, brindou com  os trabalhadores  do trecho em dias de chuva os ensaios de seu violão. Muitas pessoas entre a Quinta e o Taim o lembram desse período.   Já famoso apresentou-se por duas vezes em circos que estavam na Vila e outra vez foi a Ilha do Leonidio com seu gaiteiro da época, Ademar Silva. Passou o tempo e é bom que a Academia esteja estudando Teixeirinha, descortinando a vida e a obra, releituras atualizadas no tempo e a importância do conjunto de seus trabalhos e quem sabe a obra do nosso Chico ajude a entender melhor um pouco da nossa história.