Radio Fusion

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

       
O (des) encanto da Praça Tamandaré


            O que podemos definir por praça? Seria um espaço aberto onde convergem várias ruas ou mesmo associar a presença de ajardinamento e local de convivência, recreação e uma relação empobrecida da  Ágora ateniense do embate político e das questões da coletividade?
            Pode ser uma definição simples, mas impõe outros questionamentos quanto a sua utilidade na convivência social dos centros urbanos. A Praça Tamandaré é um exemplo. E qual é a nossa relação com a praça, afora o vai e vem do ônibus ou o encurtar  caminho em direção ao calçadão?
            Compondo no eixo chamado centro histórico do município, nem percebemos as mutilações e percepções estéticas visíveis a um centro multifacetado e o tensionamento diário do espaço envelhecido.
            Nosso olhar nos últimos anos é de certa maneira um insosso faz de conta. As relações estabelecidas quanto a paisagem urbana  central não podem serem vistos da ótica do tráfego automotivo e é esse reducionismo que preocupa. As transformações estéticas e urbanísticas advêm da necessidade não só do crescimento urbano e populacional, mas entender nesse sincronismo, a vitalidade de um público fragmentado e do consumo de bens que passaram aos poucos a usufruir as estruturas vigentes.
            A Praça Tamandaré e o seu desleixo assustador no campo das ideias, não pode ser uma leitura isolada, mas compor afinidades entre o uso público e o patrimônio arquitetônico de um centro antigo. Na sua longa trajetória no tempo, a praça já serviu água a vizinhança que os escravos buscavam em barris, já esteve cercada de arames, foi testemunha de insistentes debates para ceder um espaço para construir uma nova  igreja  Matriz de São Pedro e um dia quase extirparam um pedaço de sua área para acomodar interesses da Câmara Municipal com a Fábrica Ítalo Brasileira e dos Charutos Poock, isso tudo no século 19.
            A Tamandaré surgiu do esplendor e beleza no ano de 1895 dos cômoros antigos e pântanos da velha Geribanda e da Praça dos Quartéis, seus nomes no passado, compartilhados entre moinhos, passeios no lago artificial e chafarizes em ferro fundido da arte francesa moldando na geografia dos sonhos, manifestações e identidades em fotografia “preta e branca” do passado.
            Não há um segmento isolado que possa absorver as carências da Tamandaré. Entender as mudanças necessárias com a circunscrição de uma leitura arquitetônica ao entorno do complexo centro histórico e a sua sobrevivência, está relacionada ao reconhecimento de seu significado como expressão da  história nas formas expressivas de todo o tecido urbano. Por isso é importante considerar o espaço visual da cidade como espinha dorsal de todos os projetos, referência básica sem a qual não é possível planejar nenhuma transformação. Uma ideia ou ao menos uma inspiração inteligente.

Historiador
  
            General Go:  Golbery e as feridas que ainda machucam

            Nos últimos tempos, a cidade viu-se envolvida sobre a homenagem ao General Golbery Couto e Silva. Manifestações diversas e debates ríspidos na qual as partes defendiam na ótica de suas verdades, a negação ou a afirmação do projeto então proposto. O enfrentamento no campo das ideias permeava a disputa das contradições centrada no eixo básico: as benesses que Golbery fez pela cidade e suas maquinações perversas do período ditatorial.
            São duas verdades em que as partes buscavam destruir como se o essencial da vida do General tivesse  sido pautado sob a ótica em disputa. Nem ele gostaria desses “apreços” que estão lhe propondo porque uma das características da figura controvertida de Golbery era sua preferência dos subterrâneos aos holofotes.
            Perdeu-se tempo em demonizar ou tentativas simplistas de colocá-lo no panteão das celebridades ingênuas e que tanto ofereceu a sua terra natal. Ora, essa cantilena não trouxe nenhuma novidade aos debates e a necessidade através deste confronto,  o significado da ditadura no Brasil.
            O General Golbery representou o personagem chave do país desde os anos de 1950 e   sua prática é coerente com seu pensamento e não custa nada rever suas obras que demarcaram sua trajetória politica, como o Planejamento estratégico  (1955) e Geopolítica do Brasil (1981). (Ver  em Frederico Carlos de Sá Costa –‘ Repensando Golbery’ – Universidade Federal de Juiz de Fora)  A crítica, neste sentido, é que não se veja só o escárnio ditatorial, base do debate, mas buscar 10 anos antes quando em 1954, lá estava o Tenente-Coronel fustigando no Governo de Getúlio e estimulando a demissão do Ministro do Trabalho, Jango, e esteve preso em 1955 porque foi um dos articuladores da “novembrada”, movimento que visava impedir a posse de JK e de sue vice, Jango. Com a renúncia de Jânio Quadros, oferecia a João Goulart, o vice que  assumiria, o sistema parlamentarista, mas sem antes interagir nos bastidores para Goulart não assumir a Presidência do país. Passaria para a Reserva coordenando o IPES, esteve no IBAD e no Movimento Anti Comunista na intensa conspiração contra o governo.
            Com o sucesso do Golpe de 1964, foi para o SNI com  status de    Ministro, mas com a chegada da linha dura de Costa e Silva, cai no ostracismo e foi trabalhar na filial multinacional da Dow Chemical em 1969. Novas polêmicas. Retorna como Chefe de Gabinete Civil em 1974 com Geisel e esteve na condução da “transição transada” cujo ritmo pretendia aumentar, segundo Assunção, (ver em www.espaçoacademico.com.br/070/70assuncao.htm) aproximando-se dos membros da Igreja e outras lideranças. Mas se havia pequenos entendimentos, no Governo Geisel, sérias violações dos direitos humanos, censura e arbitrariedades. Para ele, os inimigos deveriam ser monitorados e enfraquecidos, nunca aniquilados para se fortaleceram e nem criar mártires e guiou-se por essa visão ao conduzir a distensão. Com João Figueiredo na presidência ficou de 1979 a 1981 e contrário às ações do terrorismo de direita desliga-se e vai trabalhar na diretoria do Banco Cidade. Afastou-se da vida pública, como diriam os especialistas, mas continuava a serviço de uma burguesia entrelaçada ao poder e seus interesses e via na sua ideologia pragmática, sempre voltada aos problemas do Brasil e suas injunções conservadoras. Renegava os comunistas, desprezava a democracia, era odiado pela linha dura, nacionalista extremo e pensava na industrialização subordinada ao capital internacional.
            A discussão de uma placa em seu nome poderia gerar novas formas da discussão quanto ao período de exceção no Brasil. Uma placa? Um busto? A memória em pedaços, fatiada de acordo com os interesses. Para muitos o “satânico” Dr. Golbery ressuscitado, para outros um eterno injustiçado. A homenagem mal conduzida por um grupo de súditos e a reação imediata da sociedade civil impuseram novas reflexões. As feridas ainda não curaram.
  
                 Kiriku, a Feiticeira e a Estrada da Palma

                Um filme surpreendente assinado por Michel Ocelot, “Kiriku e a Feiticeira”, bem que poderia ser lembrado quando o assunto fosse sobre a cultura afro-brasileira ou a temática sobre a consciência negra.  Trata de uma lenda africana recontada aos encantos do premiado desenho animado no qual Kiriku, um menino minúsculo e seu dom especial, nasce em uma aldeia e vem ao mundo para livrar seu povo da opressão da temível feiticeira Karabá. O desenho viaja com o pequeno herói em diversas situações do mundo místico das lendas africanas para salvar seu povo das mãos da feiticeira. Kiriku tem tudo de um pequeno herói: dócil, curioso, inteligente, meigo e não sabe mentir.
                Foi por isso que me lembrei deste filme, por causa do verbo mentir. Ele é transitivo direto, mas, indiretamente me aguçou a memória. Foi há dois anos no debate entre os vices à Prefeitura do Rio Grande, no Povo Novo, e foi questionado  aos candidatos a situação precária das estradas interioranas. Ficava a promessa que até o fim do ano as máquinas e o saibro estariam na Estrada da Palma, isto em 2009, e era promessa do representante situacionista.   Pois bem. Semana passada percorri a estrada e não vi nenhum melhoramento. Nada. E não é uma estrada qualquer. Seus traçados básicos já estavam delimitados no mapa de Canno y Olmilla desde os anos de 1776. Os antigos caminhos e ocupações indígenas  e que depois serviram de rota aos tropeiros que vinham do sul em direção as charqueadas pelotenses no século 19, continuam mal cuidados. O primeiro e único saibro colocado já ultrapassou 30 anos e pouca coisa mudou.
                Na campanha eleitoral, sabemos, valem as promessas vazias, contínuos engodos, farsas já ultrapassadas, mas na efetivação dos cargos postulados, porque esse marasmo? Tem que ter ousadia e conhecimento. Recordo então Kiriku que foi atrás do sábio nos altos da montanha sagrada se aconselhar e descobrir o segredo para vencer a malvada feiticeira Karabá. No fim do filme, o sábio reafirma que o nosso herói não mente, mas e nós, cidade real, o que fazer?
                 Nem uma estrada histórica com seus 230 anos nossos gestores conseguem enxergar. Nestes caminhos circulam nossos produtos primários como o leite, o arroz, a cebola, a produção de gado, mas falta circular o conhecimento, alternativas de rendas sustentáveis, rota de turismo rural, apoio a agricultura familiar e fixação do homem no campo, políticas públicas e boa vontade. Falta transparência e verdades.
 Kiriku é uma obra que vai além da magia das lendas da África Ocidental. Indicado para crianças e adultos, mas o tema recorrente é a inspiração que precisamos fazer algo.

Matrimônio em Santa Isabel no limiar do Império

     
Nubentes e Matrimônio; o cotidiano casadoiro em Santa Izabel dos Canudos.
1882 a 1885

Introdução
                        O fascínio pela criação do município estava no auge. Os nascimentos e os casamentos seriam a partir de julho de 1882 assentados como sendo oficializados na Villa de Santa Izabel dos Canudos, na Igreja Paroquial e não mais na Capela Filial do Arroio Grande. O 1º casamento lavrado em ata foi em 15.08.1882, após 45 dias da eleição dos vereadores da Câmara Municipal. Estavam definidos os rumos políticos e o perfil dos Liberais e seus projetos para Santa Izabel. Até o Auto de Instalação do novo município em 27.01.1883 tudo seria festivo. O primeiro casamento, primeiro batizado, a penca oficial, o baile da eleição, os vapores e suas bandeiras coloridas e até os tropeiros no passo do São Gonçalo em direção as charqueadas dividiam a alegria da emancipação.
            Depois do janeiro onde o selo da criação do distrito seria carimbado pelo Presidente da Província, tudo se modificaria e nada mais de festa. Retaliações, atrasos documentais, marasmo, insolência e má  vontade em aceitar o novo município de Santa Izabel passava a ser o novo desencanto com o Arroio Grande.
            Os casamentos entre 1882  e 1885 surgem nesta épica página da História local. A sociedade, a mobilidade social, o processo de urbanização e as mudanças de natureza socioeconômicas e políticas ocorridas neste período, compõe um leque visto através dos registros paroquiais quanto aos casamentos em Santa Izabel.

Antes era o sonho, depois o caos

            Porque falar em casamento? Porque lembrar os casamentos do passado se hoje eles estão em desuso? Talvez as respostas se insiram num pequeno recorte da curta existência da Vila de Santa Izabel, portanto, entender a dinâmica que diz respeito a vida social e os aspectos cognitivos de uma sociedade retratada sob dois olhares; da alegria de um pertencimento histórico ao maniqueísmo destruidor das utopias possíveis.
            E é esse o papel do historiador, buscar no passado as respostas para as indagações do presente. È encontrar fragmentos de uma sociedade em erupção, perdida nas insatisfações e longínquas lembranças.
            Antes de tudo é preciso entender o que era casar no século 19, as relações estabelecidas entre as famílias na qual sempre passava pelo consentimento do pai ou em muitas vezes a escolha ‘adequada’ do futuro esposo/esposa e que invariavelmente a imagem da mulher estava associada às de esposa e de mãe. Nesse sentido, a família patriarcal que Gilberto Freire enuncia em sua obra “Casa Grande e Senzala” incluía o quesito de proteção à mulher, pois era competência do esposo zelar pelo bem estar da família.
            A celebração do casamento obedecia a um rito social, reafirmando um conceito moral que entre as classes mais ricas, tendiam a transformar em bens e riquezas, tendo a aprovação familiar como sendo indispensáveis.
            Santa Izabel também teria algumas particularidades interessantes que neste momento o trabalho não consegue ou não se propõe analises individuais, mas chama a atenção a idade dos noivos, principalmente do homem, com média de idade de 28 anos e a idade da mulher que contraia matrimônio com 22 anos.
            Santa Izabel dos Canudos era uma paróquia longe das metrópoles, mas que oferecia acessos relativamente fáceis a centro maiores, comparados a sua situação portuária, mas haveria a oficialização das relações extras oficiais superiores aos chamados ”casamentos legais” dentro do espaço católico aquele tempo?
            Os noivos de outras localidades representam 31% do contingente masculino e 14% dos noivos eram de outras cidades com maior número de nubentes as cidades de Rio Grande, Arroio Grande e Pelotas. O que percebemos quanto a idade dos noivos é que não está somente relacionados aos moradores da Vila, mas contingentes com a mesma média de idade que vinham de outras cidades. Seria a falta de homens brancos e de uma faixa de renda estável para os padrões das oligarquias locais?
            Nos dados tabulados, não foi alterado a média de idade quando analisamos o contingente de noivos filhos de imigrantes, que representam um universo de 21% da presença de estrangeiros nos casamentos na localidade. São famílias de origem uruguaia, (Barcelos, Cordeiro e Gulart) italiana (Trident, Vazzoleri e Magrini) e portuguesa (d’Areas) que basicamente formaram o nicho casadoiro.
            O que podemos definir nesse ensaio sobre os casamentos é que eles tinham faces multifacetadas que caracterizavam o novo município. Economicamente toda a riqueza estava pautada na produção de bois, charque e exportação via porto de Rio Grande, mas a economia periférica do comércio urbano e serviços (mascates, hotéis, carpintaria, ferraria, açougue...) estavam entrelaçadas desde seu 2º distrito, a Estação Piratini, hoje Pedro Osório, a extensa região do Chasqueiro. Também não podemos esquecer as relações escravagistas com a presença maciça de negros  na qual dos casamentos analisados, somente uma noiva em 1884, filha de escrava casaria na Igreja de Santa Izabel. Muito pouco para uma população que representava mais de 50 % dos habitantes do município isabelense.
            O dia escolhido para os casamentos, as segundas-feiras representavam 43% dos dias da semana, mas casavam entre as segundas-feiras ao sábado e os meses que mais casaram foram outubro (6) e novembro (4).
            Assim foram os casamentos em Santa Izabel dos Canudos. Algumas particularidades no recanto sul da Província, mas nos informam os aspectos da mobilidade social e dos agentes culturais de um povo e sua formação etnográfica.