Radio Fusion

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Quanto vale uma fotografia

No tempo da diligência

As fotografias são imagens congeladas no tempo? Em que sentido elas são documentos históricos? Poderia interpretar um passado através de velhas fotografias mal cuidadas?
            Minha continua busca, solitária e independente, de resgatar nossas memórias ruralizadas  tem no conceito de  Boris Kossoy em seu trabalho “Fotografia e História”, lançado pela Ateliê Editorial, em definir qual o valor, o alcance e os limites das fotografias enquanto meios de conhecimento da cena passada, buscando assim entender nas imagens, sua natureza de um fragmento e registro documental, portador de várias significações. Em síntese, pode dizer tudo ou não definir nada. Assim a fotografia entrou na era das imagens e avanços da tecnologia na qual se propunha os antecessores  dos velhos daguerreótipos, uma fotografia que eternizasse o tempo, propondo conceitos e questionamentos de um olhar do passado.
            Do ponto de vista da História, a fotografia antiga reflete um tempo não vivido, a sensação de um tempo que nos escapou, não vivenciado, e por vezes tutor de emoções de entendimento e entre o passado e o presente. Talvez seja assim com as fotos da família que jamais serão as mesmas, pois faltará alguém no próximo encontro. A fotografia também nos joga na rua das mágoas e saudades, memória e informação, analise, processos e contingências de acordo com o objeto que estudamos, mas jamais imparcial. Henri Cartier Bresson define estas experiências algo como instantes decisivos, ou seja, o momento entre a cena e o momento do registro para tornar-se um tempo alongado.
            Pegamos a diligência que fazia a linha Vila da Quinta – Santa Vitória do Palmar nos    fins dos anos de 1890 da Empresa de transportes de Quintino Machado e Manuel Cunha. Viajamos no tempo, um cenário desconhecido e caminhos imaginários, ainda mais quando comparamos com o tempo de 2 horas de hoje com o modesto 7 dias daqueles tempos para percorrer o trajeto. Mas têm coisas que a fotografia não diz. Podemos ter todo o contingente teórico para analise, mas vai faltar o sentimento não explicito do real. Podemos ter o vestuário, o rosto, a imagem cognitiva, o tipo de papel, a construção ou como diria Roberto Frank, seria o momento que o fotógrafo revela o equilíbrio e surpreende a realidade desprevenida.
Então a viagem começa. Como era longo o percurso, havia os “paradouros”, pequenas acolhidas que às vezes no pernoite viravam hotéis de campanha. Havia as trocas de parelhas das mulas, refeições, banhos e entregas das correspondências entre os 200 quilômetros a percorrer. Havia as cheias da Lagoa Mirim em uma poção de terras planas, sem declives acentuados em sua extensão e ampliados ao longo horizonte, um olhar indagativo quanto à possibilidade de transitar de um modo seguro. As areias se perpetuaram a milhares de anos, anulam o trânsito na temporada da seca, mas castigam a circulação quando a chuva mergulha nos verdes dos campos, formando lagos solitário e rumos incertos. O cocheiro, guia da diligência, e o sino anunciavam no desbravar da campanha a esperança perdida na imensidão do pampa como a sensação do silêncio como um dia teve Auguste de Saint-Hilaire na sua viagem ao Rio Grande do Sul em 1821.
            Assim é a fotografia. Um ponto de interrogação, ruptura que abandona o modo memorialístico, saudosista para tornar-se tentação de sonhos visuais e indagações provocativas do tempo presente onde as diligências nem existem mais.

A janela da alma - e das estações de transbordo

A “Janela da Alma” e das estações de transbordo

Um belo documentário, assinado por João Jardim e Walter Carvalho, “Janela da Alma” trás um tema interessante quanto o que podemos entender sobre a deficiência visual e suas relações estabelecidas no modo de viver das pessoas. Eles entrevistaram artistas, intelectuais e pessoas ditas comuns da Europa e do Brasil. Recorreram à filosofia, à medicina, à biologia, a música e a literatura para investigar o que é a visão ou a magia do olhar humano. Vários depoimentos de personagens com deficiência visuais ligados à área cultural, como Hermeto Pascoal, Eugen Bavcar, fotógrafo e filósofo, as cineastas Marjut Rimminem e Agnés Varda e o depoimento de José Saramago. Saramago comenta sobre o que se entende por cegueira ou das coisas que não queremos enxergar. O Romeu que fala a História se tivesse o primor dos olhos de um falcão ou de uma águia, não se apaixonaria pela bela Julieta. Uma pele que não seria agradável de ver, pois olhos da águia e do falcão veem muito além da capacidade do olhar humano tornando-a, provavelmente, uma mulher feia.
Assim ainda é a questão das mudanças no transporte coletivo na cidade. A propaganda, sempre com o perfil de “grandes inovações” cita a cidade pioneira na integração entre as linhas de ônibus. Mas a pergunta que não se discutiu é se realmente a cidade precisava deste modelo de gestão?  Alternativas foram discutidas? Fica novamente a insistência da Prefeitura de leituras desconexas em relação ao “modus operandis”, solitária em seu gueto de ‘fortes ações’, mas em constantes desgastes pela incapacidade de diálogo.
            As estações de transbordos não são de todo um mal, mas faltou propor um relacionamento democrático até então justificáveis pela inabilidade de lidar com proposições afirmativas de uma cidade em constantes mudanças.
            As reações adversas e seus manifestos, explicações e justificativas também na esfera judicial, mas o que ainda não se ouviu nada sobre as benesses dos custos operacionais que as empresas foram beneficiadas ou alguém duvida que a diminuição de linhas e horários houvesse uma economia básica com a redução de mão de obra, equipamentos e insumos? Mas a mudança vai melhorar a vida de quem mesmo? Algumas incoerências continuam sem a resposta. Talvez cada cidadão afetado tenha sua discórdia, mas retomo a um ponto essencial. A linha Quinta-Cassino funcionou por duas temporadas e desde o ano passado foi suprimida. Alega-se prejuízo, mesmo passando pelo P. Marinha e o P. São Pedro. Esperamos então eternos minutos na Estação Trevo para sempre, a trabalho ou a passeio, seguirmos a trajetória em pé nos corredores da linha Cassino. E também tem que ter o cartão. Sem ele, democraticamente, somos obrigados a pagar 2 passagens, sem o direito do transbordo.
As metáforas e o encanto poético de Saramago vão mais além, propõem que Deus não fez nossos olhos para ver a realidade, pois se assim fosse, estaríamos perdidos. Nossos olhos veem coisas, nem de mais nem de menos, mas um olhar mais atento do espaço que nos cerca não é alentador, é uma janela do desencanto, tempo enfadonho das incertezas.