AS ÚLTIMAS TROPAS DE GADO
Recentemente, quando do aniversário da cidade, surgiram algumas colocações quanto à ocupação inicial portuguesa aqui no sul. Discussão longa e repetitiva que poderia ser sintetizada sob duas vertentes: a ocupação econômica com Cristóvão Pereira de Abreu e a ocupação militar sob o comando de José da Silva Paes. Não é de hoje que análises – quer de especialistas, quer de leigos – propondo a valorização do pioneirismo e a importância de Cristóvão Pereira nestas bandas como marco da fundação do município do Rio Grande. È dele sim a indicação do local apropriado que se podia “povoar, e passar, e ainda que tenha bastante largura, não é dificultoso passar nela os animais”, quando se refere à travessia da Laguna dos Patos, local este que se pode deduzir nas imediações dos Molhes da Barra. Ponto militar de apoio à Colônia do Sacramento que, Gomes Freire e José da Silva Paes pediam nasceria, graças ao conhecimento do terreno no comércio de cavalgaduras de Cristóvão Pereira de Abreu em 1737, surgindo assim o que hoje é o município do Rio Grande.
O tropeirismo foi a ferramenta e a atividade econômica que partia desde a Colônia Sacramento no Uruguai até a praça de comércio de mulas e gado em Sorocaba, São Paulo, desde 1722 com o mais experimentado dos condutores de tropas dos campos sulinos, chamado Cristóvão Pereira de Abreu. Desta forma, representava a abertura dos novos caminhos, relações estabelecidas, contatos e comercialização entre núcleos de povoados diminutos no incipiente Rio Grande de São Pedro. Fundamentalmente, é com os tropeiros a inserção do Rio Grande do Sul na economia nacional. É o comércio das mulas e, com o gado que veio a experiência da integração ainda no século 17 como uma atividade que consolidou o comércio e o nascedouro da vocação da economia rio-grandense até os tempos atuais e a formação de uma identidade histórica.
No entanto, é um tema pouco estudado entre nós e poucos sabem que no ano passado a Assembleia Legislativa aprovou o dia 20 de abril como o dia “Estadual do Tropeirismo”. Mas as cidades gaúchas pouco oferecem como reflexão (seminários, mostras fotográficas, festivais de folclore, núcleos de estudo, rotas, caminhos...) e o importante papel que tiveram na formação do Rio Grande do Sul.
As últimas tropas de gado em Rio Grande , destinadas aos frigoríficos, foram em meados de 1970 com destino a Rural – Parque de Exposições Filinto Eládio da Silveira – ou ainda, ao Matadouro Municipal e ao Frigorifico Anselmi. Neste período, a Cia. Swift S.A do Brasil, não mais existia. Contudo, ela trouxe a novidade da frigorificação da carne e a industrialização latente no município impondo junto à indústria têxtil, um novo ritmo na economia local no período de 1918. Mas se por um lado oferecia emprego aos operários de baixa renda, por outro, o nível da exploração era aviltante e na outra ponta da cadeia produtiva com os sistemáticos abates, as autoridades e os fazendeiros nada podiam fazer diante da voracidade dos frigoríficos sobre a estrutura de produção e reposição do gado rio-grandense. Só a Companhia americana, começou o abate de 1.000 reses ao dia, e empregava em torno de 1.500 funcionários.
Na Vila da Quinta ficavam as pastagens, os conhecidos locais de espera das tropas que chegavam das diversas partes do sul do estado, quer a pé ou em vagões dos trens onde eram descarregados e partiam para a cidade de acordo com as credenciais de abate do dia seguinte. O gado partia a pé, em tropas, cruzando caminhos que a urbanização da cidade quase desmanchou. A Rural seria como um ponto de espera para que a noite quando os Bondes paravam de circular, entre onze horas e meia noite, pequenas levas, chamadas de “datas” em número de 40 a 50 animais, cruzavam a cidade depois da liberação do trânsito pelo fiscal da Prefeitura Municipal em direção aos frigoríficos.
Ficaram os caminhos, fotos apagadas em preto e branco e, na memória dos velhos tropeiros, um tempo que o progresso sepultou. O Corredor das Tropas virou Avenida dos Bandeirantes e os cavalos não param mais no Mercado Público da volta das lidas campeiras que varavam a madrugada na entrega dos bois na Swift. Não se faz mais as gritarias envolta dos casebres miseráveis do antigo Cedro na busca do gado arredio. No pastoreio dos campos da Hidráulica não ficaram os vestígios, e muitos não conheceram as tropas de perus a pé que vinham de longas distâncias cruzando caminhos incertos, e poucos ainda lembram as dezenas de vagões de trens abarrotados com porcos rasgando a cidade até a zona portuária.
O trabalho de pesquisa documental e oral teve que ser reordenado. Um manancial de informações e rememoração dos tempos passados trouxe a possibilidade de leituras interessantes de uma cidade e suas vivências sociais. Os tropeiros foram substituídos pelos caminhões boiadeiros e os grandes frigoríficos na cidade não existem mais. Vai ser interessante nesse nicho de encanto chamado Polo Naval, mostrar as tropas de bois circulando no Rio Grande entre 1904 a 1972.
O Projeto “Imagens Rurais – Tropas e tropeiros em Rio Grande ” está buscando linhas de financiamento e interessados na coleta de dados, entrevistas e fotos antigas, entrar em contato com cledenir.vm@hotmail.com.
Cledenir Vergara Mendonça – Historiador/Especialista em História Rio Grande do Sul – FURG.
Ana Lice Ribas Garcia - Historiadora/Especialista em História Rio Grande do Sul – FURG.
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