Jornalismo Comunitário - O que é
afinal
Instrumento de Transformação Social
O
trabalho neste momento não é a analise dos jornais produzidos no interior –
Vila da Quinta e Povo Novo – desde 1899 com o folhetim com tinta nanquim “ O Furão” e depois com o
jornal “O Gaúcho” de 1906 editado na Vila da Quinta e o jornal
católico “Mensageiro” de 1919,
passando pelas experiências do Eco do Interior e o “Novo Tempo”, este do Povo Novo.
A análise, portanto, é com a configuração de
um instrumento de comunicação na qual esses periódicos estão inseridos – ou não
– os questionamentos de uma realidade social. È um texto baseado no trabalho de
Elaine Tavares, jornalista e professora que versa esse artigo.
Por suas características peculiares, o jornal
voltado para comunidades específicas deve ser, naturalmente, um instrumento de
transformação social, sem o que não faz sentido. Para tanto, o profissional
deve trabalhar sempre imbuído dos melhores princípios éticos, tanto no
relacionamento com a própria comunidade, como no relacionamento com as fontes
de informação. Muitas vezes é aqui que mora o perigo. Devido à proximidade, não
raro as fontes tentam manipular o jornal em proveito próprio. Outras vezes é o
jornalista que se aproveita do seu prestígio na sociedade para deturpar, com
prepotência, o que foi dito, conforme os seus interesses ou os interesses do
jornal. Ambos são caminhos errados, a serem evitados, por mais fortes que sejam
as pressões e as tentações.
Um modo de identificar-se com a comunidade, buscando permanente interação com
ela, é valorizar a cultura e os costumes locais.O jornalismo comunitário deve
estudar mais a fundo a formação histórica e social da população à qual se
dirige. Aprofundar-se nos costumes que caracterizam a cultura popular
(religiosidade, arte, vida familiar, formas de sociabilidade, educação, etc.) e aprender a respeitar e valorizar essa
cultura, reconhecendo nela um processo dinâmico e vivo, é um bom começo para
quem se inicia no jornalismo comunitário.
Para captar a alma do povo, o jornalista será sempre um observador privilegiado
e um estudioso da sociologia, aprendendo que os regionalismos integram, na sua
multiplicidade de variantes, a alma do povo brasileiro. Nas linhas finais de
sua última obra (O Povo Brasileiro – A formação e o sentido do Brasil. São
Paulo: Cia. das Letras, 1995), Darcy Ribeiro traça um perfil que todo
jornalista deve conhecer e sobre o qual deve refletir para bem cumprir o seu
ofício de comunicador:
“...apesar de feitos pela fusão de matrizes tão diferenciadas, os brasileiros
são, hoje, um dos povos mais homogêneos lingüística e culturalmente e também um
dos mais integrados socialmente da Terra. Falam a mesma língua, sem dialetos.
Não abrigam nenhum contingente reivindicativo de autonomia, nem se apegam a
nenhum passado. Estamos abertos é para o futuro”,
afirma o sociólogo depois de estudar as origens étnicas de nosso povo no índio,
no negro e no europeu, mais tarde enriquecidas com a chegada dos orientais.
Diante de tanto jornalista deslumbrado com outras culturas e por isto mesmo
alimentando complexos de inferioridade pelos traços culturais de seu país ou de
sua região, Darcy Ribeiro proclama:
“Nações há no Mundo Novo – Estados Unidos, Canadá,
Austrália – que são meros transplantes da Europa para amplos espaços além-mar.
Não apresentam novidade alguma neste mundo. São excedentes que não cabiam mais
no Velho Mundo e aqui vieram repetir a Europa, reconstituindo suas paisagens
natais para viverem com mais folga e liberdade, sentindo-se em casa. É certo
que às vezes se fazem criativos, reinventando a república e a eleição grega.
Raramente. São, a rigor, o oposto de nós”.
A vocação latina do povo brasileiro, a natural integração continental da
América do Sul, cada vez mais discutida em nossos dias, a partir do Mercosul
retomado na Administração de Luis Inácio Lula da Silva, é vislumbrada
pelo sociólogo:
“Nosso destino é nos unificarmos com todos os latino-americanos por nossa
oposição comum ao mesmo antagonista, que é a América anglo-saxônica, para
fundarmos, tal como ocorre na Comunidade Européia, a Nação
Latino-Americana sonhada por Bolívar. Hoje, somos 500 milhões, amanhã seremos 1
bilhão. Vale dizer, um contingente humano com magnitude suficiente para
encarnar a latinidade em face dos blocos chineses, eslavos, árabes e
neobritânicos na humanidade futura”.
Darcy Ribeiro deixou-nos um legado de otimismo que muitas vezes falta ao
jornalista:
“Estamos nos construindo para florescer amanhã como
uma nova civilização, mestiça e tropical, orgulhosa de si mesma. Mais alegre,
porque mais sofrida. Melhor, porque incorpora em si mais humanidades. Mais
generosa, porque aberta à convivência com todas as raças e todas as culturas e
porque assentada na mais bela e luminosa província da Terra”.
Na Comunidade, o jornalista verá refletido, como num espelho, um pouco de
cada um dos matizes que conformam a alma brasileira. Na cobertura diária, nas
reuniões com o povo, nas festas populares, nas tradições locais, o comunicador
entrará em contato com o Brasil crioulo, o Brasil caboclo, o Brasil
sertanejo, o Brasil caipira, os Brasis sulinos, de que fala o mesmo autor.
“Embora nos ensinem a ter um modo de vida refinado, civilizado e eficiente –
numa palavra, culto – não conseguimos evitar que muitos objetos e práticas que
qualificamos de populares pontilhem nosso cotidiano. Samba, frevo, maracatu,
vatapá, tutu de feijão e cuscuz, seresta, repente, folheto de cordel, congada,
reisado, bumba-meu-boi, boneca de pano, talha, mamulengo, colher de pau,
moringa, peneira, carnaval, procissão, benzimento, quebrante, simpatia, chá de
ervas etc são palavras familiares, algumas numa região, outras noutra, com
sotaque italiano, japonês, alemão ou árabe, ou ainda de modo supostamente
puro”, observa o pesquisador Antonio Augusto Arantes em
“O Que é Cultura Popular” ( São Paulo: Brasiliense, 1985).
Resgatando a cultura popular ( que tanto pode ser instrumento de conservação
como de transformação social, segundo Ferreira Gullar), nas suas várias
manifestações, o jornalismo comunitário estará contribuindo para a formação da
cidadania, para que o desconforto das pessoas contra a desigualdade social gerada
pela política neo-liberal não se transforme em mero sentimento de
constrangimento ou de vergonha, mas que se afirme como o inconformismo que leva
à luta por uma situação de justiça, de igualdade, de solidariedade.
Por isto mesmo o jornalismo comunitário não deve se voltar para grupos, porque
isto significaria oprimir ainda mais o povo através da desinformação ou do
sectarismo político-partidário. Deve, isto sim, abraçar as causas populares e
usar a força do veículo comunitário junto aos que têm poder de decisão para
forçar a solução dos problemas que afligem a comunidade, no seu dia-a-dia.
É nobre e de grande responsabilidade a tarefa do jornalismo comunitário.
A propósito de cultura popular e cidadania, o educador Paulo Freire participou,
como conferencista, da produção de um vídeo popular em apoio à campanha de
erradicação do analfabetismo promovida pelo Banco do Brasil em maio de 1994,
com o título “Educação e Mudança”. E ao falar para educadores, Paulo Freire
está falando, naturalmente, para líderes comunitários que têm o pode de influir
na opinião pública do lugar onde trabalham. Entre esses líderes estão,
naturalmente, os jornalistas comunitários, nos quais a comunidade aprende a
confiar e dos quais espera comportamento ético, sereno e responsável.
Segundo ele, a tarefa do educador é uma tarefa “gnosiológica”, isto é, que
envolve o processo do conhecimento. Para transmitir ensinamentos, ele precisa
ter clareza política, visão de mundo e método de trabalho. À medida que
transfere o conhecimento, ele “reconhece” o que conheceu durante o estudo do
objeto, capacitando-se, assim, cada vez mais, como formador.
Na comunidade, o jornalista é permanentemente convidado a integrar órgãos
colegiados, associações, grupos de debate, jurado de eventos culturais etc.
Isto ocorre porque a comunidade reconhece nele a capacidade de liderar e de
influenciar. Dotado de princípios éticos, o comunicador comunitário deve
aproveitar esse contato direto para estar sempre aprendendo com a comunidade de
modo a poder servi-la cada vez melhor, sem jamais impor os seus processos, mas
sempre discutindo, democraticamente, o melhor caminho em cada situação.
De quem lidera, a comunidade também aguarda um pouco de esperança, de estímulo,
alguém que sabe não apenas criticar mas também propor soluções. Paulo Freire
denuncia como artimanha do capitalismo neoliberal a estratégia de dizer que as
utopias morreram, que não adianta mais sonhar, que a pobreza é um determinismo
histórico, que os pobres devem se conformar com a vida que levam etc.
O formador de opinião deve enfrentar essa barreira, segundo Freire, porque é
uma barreira imposta pela ideologia das classes dominantes. O educador/formador
deve resgatar a esperança do povo num mundo melhor, fazendo-o sentir-se
sujeito da história e não mero objeto dela ou um joguete do destino. Se há
exclusão social a culpa não é dos excluídos, mas do modelo perverso de
sociedade que temos. Por isto a cidadania é um processo em permanente
construção, é um direito a ser exercido por todos, sem qualquer tipo de
exclusão por analfabetismo, cor, situação econômica, crença, convicção política
etc. Na medida que o comunicador comunitário dá as costas para os
interesses do coletivo e passa a servir a este ou aquele grupo, ele está
traindo a confiança da comunidade e retirando dela o direito à cidadania. E
ninguém pode tirar do outro o direito de sonhar e de lutar. “A existência
ultrapassa a vida; pode haver vida sem sonho, mas não há existência sem sonho”,
diz Paulo Freire esclarecendo que existir socialmente, como cidadão, é mais que
viver biologicamente como qualquer ser vivo.
O jornalista comunitário não pode se limitar a perceber que tem nas mãos o
dever social de mudar o mundo, de torná-lo melhor e mais justo. Ele precisa
assumir, na prática, esse discurso, colocando seu trabalho, seu jornal, seu
veículo, a serviço da coletividade em toda e qualquer circunstância.
Se não estiver preparado para ter uma visão crítica da história e da sociedade,
o jornalista poderá contribuir para alienar ainda mais ao invés de libertar os
excluídos. “Quando o Sujeito não se reconhece como produtor das obras e como
sujeito da história, mas toma as obras e a história como forças estranhas,
exteriores, alheias a ele e que o dominam e perseguem, temos o que Hegel
designa como alienação. Esta é a impossibilidade do sujeito histórico
identificar-se com sua obra, tomando-a como um poder separado dele, ameaçador e
estranho”, observa Marilena Chauí em O Que É Ideologia ( São Paulo:
Brasiliense, 1980).
Na comunidade, como já dito, o jornal e o jornalista devem apoiar e
incentivar as manifestações da cultura popular, como teatro, música, poesia,
arte etc. Para Antonio Arantes, “fazer qualquer modalidade de arte é construir,
com cacos e fragmentos, um espelho onde transparece, com as suas roupagens
identificadoras particulares, e concretas, o que é mais abstrato e geral num
grupo humano, ou seja, a sua organização, que é condição e modo de sua
participação na produção da sociedade”
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