No tempo da diligência
As fotografias são imagens congeladas no tempo? Em que sentido elas são documentos históricos? Poderia interpretar um passado através de velhas fotografias mal cuidadas?
Minha continua busca, solitária e independente, de resgatar nossas memórias ruralizadas tem no conceito de Boris Kossoy em seu trabalho “Fotografia e História”, lançado pela Ateliê Editorial, em definir qual o valor, o alcance e os limites das fotografias enquanto meios de conhecimento da cena passada, buscando assim entender nas imagens, sua natureza de um fragmento e registro documental, portador de várias significações. Em síntese, pode dizer tudo ou não definir nada. Assim a fotografia entrou na era das imagens e avanços da tecnologia na qual se propunha os antecessores dos velhos daguerreótipos, uma fotografia que eternizasse o tempo, propondo conceitos e questionamentos de um olhar do passado.
Do ponto de vista da História, a fotografia antiga reflete um tempo não vivido, a sensação de um tempo que nos escapou, não vivenciado, e por vezes tutor de emoções de entendimento e entre o passado e o presente. Talvez seja assim com as fotos da família que jamais serão as mesmas, pois faltará alguém no próximo encontro. A fotografia também nos joga na rua das mágoas e saudades, memória e informação, analise, processos e contingências de acordo com o objeto que estudamos, mas jamais imparcial. Henri Cartier Bresson define estas experiências algo como instantes decisivos, ou seja, o momento entre a cena e o momento do registro para tornar-se um tempo alongado.
Pegamos a diligência que fazia a linha Vila da Quinta – Santa Vitória do Palmar nos fins dos anos de 1890 da Empresa de transportes de Quintino Machado e Manuel Cunha. Viajamos no tempo, um cenário desconhecido e caminhos imaginários, ainda mais quando comparamos com o tempo de 2 horas de hoje com o modesto 7 dias daqueles tempos para percorrer o trajeto. Mas têm coisas que a fotografia não diz. Podemos ter todo o contingente teórico para analise, mas vai faltar o sentimento não explicito do real. Podemos ter o vestuário, o rosto, a imagem cognitiva, o tipo de papel, a construção ou como diria Roberto Frank, seria o momento que o fotógrafo revela o equilíbrio e surpreende a realidade desprevenida.
Então a viagem começa. Como era longo o percurso, havia os “paradouros”, pequenas acolhidas que às vezes no pernoite viravam hotéis de campanha. Havia as trocas de parelhas das mulas, refeições, banhos e entregas das correspondências entre os 200 quilômetros a percorrer. Havia as cheias da Lagoa Mirim em uma poção de terras planas, sem declives acentuados em sua extensão e ampliados ao longo horizonte, um olhar indagativo quanto à possibilidade de transitar de um modo seguro. As areias se perpetuaram a milhares de anos, anulam o trânsito na temporada da seca, mas castigam a circulação quando a chuva mergulha nos verdes dos campos, formando lagos solitário e rumos incertos. O cocheiro, guia da diligência, e o sino anunciavam no desbravar da campanha a esperança perdida na imensidão do pampa como a sensação do silêncio como um dia teve Auguste de Saint-Hilaire na sua viagem ao Rio Grande do Sul em 1821.
Assim é a fotografia. Um ponto de interrogação, ruptura que abandona o modo memorialístico, saudosista para tornar-se tentação de sonhos visuais e indagações provocativas do tempo presente onde as diligências nem existem mais.
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