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segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Educação Distrital - Vila da Quinta

Lilia Neves: Leituras em educação distrital

Introdução
                        Ainda são raros os estudos sobre a educação distrital em Rio Grande. Não obstante, no plano institucional, um silêncio e desinteresse conveniente nos núcleos das instituições relacionadas à educação no nosso meio. Poucas as ações afirmativas no campo das análises e processos avaliadores e nesta lógica que movimenta o modelo atual, pouco espaço para entender os mecanismos que forjaram no tempo as nossas identidades culturais.
            O trabalho sobre a Professora Maria Iveta de Araujo tenta resgatar pela oralidade e com o apoio dos documentos, a trajetória inicial da nossa educação. È simples, uma viagem na memória dos mais velhos, um roteiro pelo mundo das letras dos alunos do tempo distante.

“Permita que rompendo contra essa velha frase do tratamento de = senhoria=
use neste momento do pronome = tu =
Não é que eu tenha esquecido as tuas lições e os teus conselhos, mas a
intuição me faz ver que esta maneira de tratar supra a amisade.
E sendo tão grande, tão forte e tão merecedoura a amisade que nós te dedicamos,
é justo que ao menos neste momento, possa o nosso pensamento despeir-se dessa convenção social, apparecendo diante de ti na nudez pia, porem sincera do nosso reconhecimento.
demonstrando-te o muito que sentimos em ver-nos privada de teus sábios e profícuos ensinamentos.
Offerecendo-te em nome de minhas amiguinhas, esta mesa de doces, aproveito o ensejo para fazer votos de que na tua nova residência tenha sempre o tratamento,
e atenção que mereces, pela maneira fidalga com que sabes cumprir o teu dever”.

                                                                                                                      Disse

                Assim fora a despedida da Professora Maria Iveta de Araujo das alunas da aula do sexo feminino aqui na Vila da Quinta e lhe ofereceram uma cesta de doces e a acompanharam até a Estação Ferroviária. Uma das meninas era Eulália Paulina Soares, filha do Abdon Salies, a mais ligada à professora, sua vizinha e companheira nas horas vagas.
            Partira Iveta e ficaria o esquecimento do seu legado. Teria novos alunos na cidade na Aula Mista na casa de Francisco Lima, na rua Rheingantz, número 554, com duas peças alugadas (Jornal Rio Grande – 10/12/1928) uma para sexo feminino e outra para o sexo masculino e na rua movimentada pelo trânsito dos bondes e no porão da casa, os teimosos do dia, teriam meia hora de castigo depois do término da aula. (Lirba de Lima, 90 anos, entrevista em 18/06/2003, ex – aluna)
            Neste tempo, fim dos anos 20, professora Iveta morava na rua Visconde de Paranaguá, 51 e não teria mais a companhia da irmã Lilia Neves já falecida. Era uma mulher solitária. Sua sobrinha Walquiria, filha da Lilia estava sempre presente, mas morava em Pelotas e foi com os mimos da Walquiria que ficou os últimos tempos de sua vida.
            Era filha de João Batista de Araujo e Maria Aguiar Cardoso, moradores de Arroio Grande. (Cópia - Biblioteca Escola Lilia Neves) Iveta nasceu em 02/09/1968 e foi professora contratada do Estado dando aula no município do Herval. (Livro de Assentamentos de escolas e professores públicos. Livro 1 -094 -1900, AHRS). Junto com a irmã Lilia Neves, (Nomeada em 08/03/1909 para o Bibiano de Almeida) foi transferida para Rio Grande ( Apostila de 10/03/1909 removida para a Vila da Quinta a seu pedido. Livro I – Registros e Títulos de Professores, 1907-1913, AHRS) e começava a lecionar aqui na Vila ficando até aproximadamente o ano de 1922.
            No domingo do dia 13 de março de 1932, 10 anos após a morte da irmã Lilia Neves, na Sociedade Beneficente Portuguesa de Pelotas, às 22 horas morreria Maria Iveta de Araujo. O trem com o cortejo público       chegaria às 16 horas da segunda-feira  na Estação Central (Jornal E’cho do Sul, 14/03/1932, Biblioteca Rio Grandense) para o cemitério local. Não houve grandes homenagens com coroas em ramos de flores nem condolências das pequenas escolas onde trabalhou e nem proferiram discursos inesquecíveis quando morrera a professora Lilia Neves. O trem com seu corpo passaram pela Vila da Quinta e nada soubemos se aconteceu alguma manifestação. Hoje a homenagem que prestamos com seu nome desde 2009 é a sala de vídeos e de informática da Escola Estadual de Ensino Médio Lila Neves

            Entrevistas Transcriadas

Entrevista: Diana Neves Ribeiro
                   15/07/2003

         A minha avó conheceu a professora Iveta e dizia que ela era muita simpática, tanto ele como a irmã Lilia. Ela trabalhava aqui na quinta e inclusive morava aqui. A Lilia é que morava por períodos, principalmente nas férias de verão. A casa da Iveta, que minha avó contou, ficava do lado onde é o supermercado agora e a casa da Lilia era ao lado. O marido da Lilia vinha a ser parente do meu avô, o vô Celo, mas o nome era Marcelino Pereira das Neves, primo do Frutuoso Pereira das Neves que era casado com a Lilia.
            Minha avó materna era Elodina Dutra, morava no km 7, n zona da Coxilha e meu avô tinha um campo ali. Ela conhecia a Iveta que era solteira, não era casada e morava aqui. Depois, dizem né, ela foi morar com o sobrinho, ela não tinha ninguém pois eles eram de Arroio Grande e por não ter companhia, morava com o sobrinho.
            Ela dava aula na casa dela porque nesta época o colégio não existia. Minha vó dizia que ela tinha uma sala onde recebia os alunos para lecionar. A Iveta era uma pessoa... diferente da Lilia, era mais fechada e menos comunicativa, mas excelente pessoa. Era reservada, não gostava de sair de casa, conversava muito, mas com poucas pessoas e minha avó quando vinha a Quinta a visitava, eram amigas. A Lilia era diferente, expansiva, alegre e muito prestativa e a Iveta era calma e ficava mais em casa.
            As relações coma Iveta é que quando vinham aqui para a Quinta,, naquele tempo era só a carroça, tiravam uma semana, faziam tudo o que tinham que fazer, compras, ir de trem a Rio Grande, consultar... essas coisas assim, ficavam até uma semana e minha avó muito comunicativa, gostava de conversar, fazer amizades,, ela saia e fazia as visitas nos parentes e também naquele tempo só tinha a rua principal, Coronel Salgado, e até faziam as corridas de cavalo nela, as conhecidas pencas. Todos vinham das redondezas para as “carreiras” de cavalo aqui na Quinta, era sagrado nos fins de semana e um movimento enorme. Era toda a rua e era só esta rua que existia e com poucas casas. Era essa aqui, (residência atual, Dr. Nascimento, 396), a da esquina ( antiga Ferragem Zé Gonzales), depois ali onde é o Supermercado tinha outra casa antiga, também ali onde é o Galego, a do Antonio Louro que ainda tem uns traços da casa ainda. O cinema, o Cine 15, mas tinha outra casa lá onde tem um barzinho, também era antiga. Tinha a do Chuvas que podes ver pela fotografia, elas aparecem né, são de madeiras e telhado de zinco. Ali era um hotel do seu Maneca Chuvas. Ele hospedada as pessoas que vinham de fora e ficavam no hotel. Era uma casa de  madeira cumprida, mas bem forte. Depois com o tempo... o seu Maneca morreu, ficou somente o seu Luiz.
            Eu acho que deveria ter a homenagem para a professora Iveta. Não a conheci, mas sempre ouvia falar bem dela e creio que possa ter sido a pioneira na educação porque depois dela é que vieram os padres (Ordem de São de São José de Murialdo – Josefinos) que até meu ai estudou na escola deles. Foi uma Escola Agrícola que ficava em frente a Estação nos terrenos da Prefeitura.
            A minha mãe é de 1910, lá do Belendengue e estudou com a tia Dalva. Ela deu aula aqui na quinta também e depois foi para Rio Grande. È importante porque naquela época as filhas mulheres aprendiam o essencial; ler, escrever e fazer conta e os homens, os que tinham possibilidades e recursos dos filhos estudarem, mandavam para Rio Grande para tirar o ginásio. Nem imaginas tirar o ginásio naquele tempo era uma grande coisa. Meu tio se formou e virou Guarda Livre e era o Guarda Livre de uma Estância, fazia a contabilidade da estância, mas as mulheres... era só o essencial.
            Depois que a Iveta foi embora, nunca mais soube noticias dela. Somente depois que meu pai (Décio Vignoli Neves, era escritor, nasceu na Quinta) começou a trabalhar nos livros “Vultos do Rio Grande” é que ele começou a falar na Iveta e na Lilia. Conseguiu falar com a Walquiria, a filha da Lilia Neves, porque além do parentesco, fazia versos, rimava assim, como a Walquiria e por intermédio dela, meu pai foi achando coisas da Lilia e da Iveta. Creio que meu pai não conseguiu muita coisa, e se tiver, não sei onde pode ter ficado.
            A Iveta era mais reservada, mais fechada, mais.. feinha também né, coitadinha, então era aquele negócio, a Lilia era mais simpática, bem casada, mas por justiça deveria ter uma homenagem a Iveta, acho eu.

Entrevista: João Correia          
                  08/06/2003 

         Eu conhecia a Dona Iveta e ela dava aula, não sei se era lá para baixo (apontava para a rua Cel. Salgado em direção a Vila Santo Antonio) ou aqui na frente que tinha uma escola que era do genro do Luiz Costa que dava aula particular. (defronte ao salão paroquial).
         Conheci a Iveta sim. Ela era baixinha e boa pessoa. E todos gostavam dela e morava aqui na Quinta, mas não me lembro dessa Lilia Neves. Não fui aluno dela pois eu era mais velho. Eu comecei na Escola dos Padres e quando eles foram embora, fiquei estudando com o professor que era genro do Luiz Costa, mas não lembro o nome dele.
         Olha se eu visse o retrato dela eu a reconhecia, até porque eu já tinha uns 12 anos. Vou fazer 94 anos. Passaram-se 82 anos, é um bocado de anos para a gente se lembrar, afinal sou de 1909.
          Quando eu estudava, meu professor era o padre Humberto (Humberto Pagliane, responsável pela Escola Agricola da Quinta) ele era o chefe e tinha uns 3 a 4 padres, mas ele era o chefe. Ele era muito bom, meio doutor saindo por essa campanhas curando gente, meio homeopático né. Precisavam dele nesta campanha aí, ele ia atender. Depois veio um outro, usava um cavanhaque, chamado padre Eustáquio. Teve outro que morreu aqui, era o padre Inácio e era neste tempo que eu estudava na Escola.
         Sou filho daqui mesmo e meu era de Santa Vitória do Palmar, João Corrêa Mirapalheta e em 1909 eu nasci aqui.

Entrevista: Jandira
                  03/06/2003

          Eu estudei no Lilia Neves que antes era uma escola do município e foi o que aprendi na vida e fui só até a 3ª série. Hoje estou com 77 anos e sou de 1926 e quando eu estudava tinha 3 professoras. A dona Julinha que era viúva, a  Julieta que era filha da dona Julinha e Dalva Nicola. Elas moravam aqui e a Dalva Nicola morava lá onde era a Sotil ( Passando a sub estação da CEEE, lado direito da Br 471), ali era a estância dela.
         Depois passou a ser Lilia Neves. Antes não tinha nome não e então mudou para melhor. Vieram professores de Pelotas e essa Gilda que era de Rio Grande. Eu estava no colégio e teve festa quando botaram o nome de Lilia Neves. Não teve salgadinhos como hoje né e se batiam palmas, naquele tempo já era alegria. Teve jogos, desfile, ginástica com a professora Carmem Vaz. Tinha outras professoras além dela como a Noemi Gigante, casada com o Antunes, a Emilia Machado e a Nair Pasquer. Eram as quatro professoras que vinham de trem e elas passavam a semana aqui, iam embora no sábado e voltavam no domingo à noite, no Bagé, naquele tempo tinha o trem noturno.
         Elas ficavam nas casas de famílias aqui durante a semana, mas quem pode     te informar melhor são as ‘Maragatas’ pois são do meu tempo. Estudavam, jogavam e como jogavam. Nós íamos ao Povo Novo, nós brigávamos com elas lá. Era aquele jogo do saque, sabe? vôlei né e no colégio de madeira que incendiou, aliás, diziam que botaram fogo de propósito e ficava perto da casa do Sergio Carvalho (defronte ao DTG Tangara no antigo Horto). Ali foi o segundo Lilia Neves, o de madeira que o antigo de material desabou e depois construíram esse prédio de agora. ( 1961)

Entrevista: Alcidina Salies Pontes
                   18/06/2003

         Esse poema é  que minha mãe leu no último dia de aula da dona Iveta na escola lá na Quinta e guardei isto com muito carinho. Foi uma despedida PIS a professora passou a lecionar em Rio Grande e o nome da minha mãe é Eulália Paulina Salies e depois de casada ficou Farinha no sobrenome. Ela era filha de Abdom Salies e Arzelinda Poester Salies, moradores na Quinta a muitos anos. Minha mãe dizia que a dona Iveta foi a primeira professora que ficou vários anos aqui na Quinta e minha mãe nasceu em 1901.
         A aula não era particular, tinha vários alunos e eu não sei onde ficava o colégio. Sei que minha mãe a esperava todos os dias na Estação e iam junto para a escola, assim contava ela. A dona Iveta morava em Rio Grande e vinha todos os dias de trem para a Vila para dar aula, mas talvez ela tenha ficado na Quinta no verão, porque ela morava com a irmã, dona Lilia Neves que veraneava lá , elas sempre moravam juntas.
        Minha mãe não aceitava que a Escola da Quinta não tivesse o nome ou alguma coisa que lembra-se a  dona Iveta porque a dona Lilia Neves nunca lecionou na Vila da Quinta.
       Minha mãe casou com Alcides Garcia Farinha e não morava na Quinta quando casou em 1927. Veio para Rio Grande em 1918 mas meu avô continuava a ter campos aí. Eu não sou professora, trabalho na assistência social. Sempre gostei de trabalhar com crianças pobres e procuro fazer alguma coisa por elas.
       Sei pouco sobre a Lilia Neves e somente aquilo que a minha mãe dizia, que as irmãs moravam juntas, a Iveta era solteira e a Lilia dava aula em Rio Grande. Para ela era a Iveta que merecia uma homenagem e não a Lilia Neves.

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