Radio Fusion

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Aos aspirantes ao doutorado

Sobre como tornar-se menos inteligente
ou
Toques para um aspirante ao doutorado
Welton Oda[1]

“... o sistema estúpido de educação que os representantes das autoridades responsáveis me aplicaram, tanto a mim quanto a todos, não podia fazer, de mim, grande coisa. Eu nunca fui educado pelos educadores oficiais: sempre deixei que fosse a literatura a me transformar...   ”Peter Handke

            Amigo Leitor

                Este pode parecer um texto escrito por uma pessoa frustrada, alguém que não conseguiu galgar os “sinuosos cumes” acadêmicos e, despeitado, escreve uma porção de desaforos aos “seres superiores” do mundo encantado do chamado e decantado nível superior. De fato, não o é. Pelo contrário, faço parte deste “mundo encantado” desde bem jovem, já que ingressei num curso superior muito cedo. Na verdade, neste momento poderia estar até comemorando meu ingresso no doutorado e acreditando que “graças à minha capacidade”, hoje eu cheguei lá. Mas vamos deixar de papo-furado e começar a meter bronca.
Primeiro toque: o disfarce
Se você é do tipo inteligente, criativo, original, politizado, participativo, não deixe ninguém perceber, caso contrário você será considerado o perfil menos adequado a um doutorado. Subtraia de seu texto qualquer indício de originalidade, de arte, de inteligência. Escreva quadradinho. Tente ser o mais medíocre possível. Sei que é difícil ver um texto medíocre associado a nosso nome, mas tenha calma, é apenas um curso. Depois, com o diploma na mão você escreve o que quiser, inclusive refutando a maldita tese. Para escrever, dê uma olhada num artigo científico e copie aquele estilo. Dê preferência aos periódicos internacionais. Eles contam mais pontos.
Segundo toque: a importância dos papéis sem importância
A qualidade e a relevância de seu projeto de tese são secundários. Importante mesmo é cumprir todos os tramites burocráticos. Há processos seletivos (e são fatos relatados a mim por professores que integram programas de pós-graduação) em que você pode ser eliminado pela falta de uma foto 3x4, ou caso esqueça de colocar os documentos em uma “pasta polionda amarela”.
Terceiro toque: o analfabeto político... esqueça Brecht
                Caso você seja um raro ser politizado, consciente, participativo, não pense que um currículo rico em ações na comunidade, em partidos políticos, em conselhos de saúde, de educação, rádios comunitárias, enfim, cheio de demonstrações de sua importância enquanto um zoon politikon, possa impressionar os membros da comissão de seleção. Isto não vale nada. Deixe isso pra lá. O importante mesmo é escrever artigos em revistas científicas de circulação internacional. Isso mesmo. Escrever em linguagem inacessível para todos, exceto os poucos cientistas da área (a linguagem hermética da qual nos fala Foucault), de preferência em inglês.
Outra coisa importante: se você escreveu artigos em áreas do conhecimento tão distantes quanto polinização, física quântica, marxismo e ecologia de baleias jubarte, não se mostre tão versátil. Se fez graduação numa área, mestrado em outra e pretende fazer doutorado em uma terceira, sua situação não é nada fácil. O esquema mais quadradinho possível, tipo fazer todos os níveis na mesma área, é o mais indicado, mesmo que isto te torne cada vez mais limitado. Mas afinal o que importa se você está ficando tapado? O importante é “ser doutor”.
Preocupar-se com o futuro da humanidade? Com o bem estar da comunidade, da família? Mundo melhor? Que nada! O importante mesmo é ficar o dia inteiro na frente do computador escrevendo coisas que ninguém entende para publicar em revistas que ninguém lê.
Quarto toque: um orientador fuderoso
                Pessoas justas e humanas também conseguem concluir o doutorado, mas na hora de escolher um orientador, não escolha este tipo de gente. Escolha um fuderoso, um fodão. Como reconhecer um? Simples: ele terá dezenas de pessoas para (des)orientar (normalmente bem medíocres e submissas), não terá tempo pra nada (muito menos pra você) e terá uma quantidade de publicações invejável, apesar dos artigos serem de péssima qualidade (feitos às pressas), afinal, os revisores costumam ser bastante complacentes com os fodões.
                Aliás, aproveite a oportunidade para aumentar sua produtividade, empurrando até mesmo aqueles artigos que você não teria coragem de publicar nem na Revista Caras. Basta colocar o seu (des)orientador como co-autor. Os revisores destas revistas “internacionais” raramente tem coragem de reprovar o artigo de um fodão. Vá por mim. E na aula de qualificação ou na defesa de tese, ter um fodão é a garantia de que você pode falar qualquer bobagem que ninguém vai ter coragem de ralhar com você. Será aprovado com distinção e louvor, independente do que apresentar.
Quinto toque: o “seu” projeto
                Pode parecer brincadeira, mas o ato de pensar, no mundo acadêmico, é bastante perigoso, arriscado. Discordar é um crime. Por isso, antes de iniciar a elaboração de um projeto, fuce na internet para saber o que seu candidato a orientador escreve, como ele escreve, quais os seus principais artigos. Então... Já sacou, hein, adivinhão? Mas isso não é tudo, não basta cita-lo abundantemente. Faça contato com ele e, de preferência, elogie bastante o cara. Diga-lhe da qualidade de seus artigos e de como você se sente identificado com a “visão de mundo” dele. Aceite todas as suas sugestões de alteração que ele fizer e não só concorde, mas também elogie estas sugestões. “Puxa, eu sozinho jamais teria percebido este erro!” ou ainda “Nada melhor do que poder contar com uma pessoa tão experiente!” De modo geral, doutores são bastante vaidosos e engolem facilmente a isca.
Sexto e último toque: você não vai querer ser assim, vai?
                Diz o povo que advogado é como espermatozóide: um em um milhão vira ser humano. Então parece que com tudo que é “doutor” é a mesma coisa. Por isso, cuidado. Não que eu esteja desaconselhando ninguém a seguir esta jornada. Na verdade, precisamos de outro tipo de doutores. Aliás, grande parte de meus colegas vai concordar comigo que o esquema é realmente este, mas certamente, assim como eu, muitos pesquisadores (inclusive alguns doutores) gostariam, sinceramente, que as coisas fossem diferentes. Assim, o mais importante toque, penso eu, é que ingressar num doutorado só vale a pena mesmo se você estiver convicto de que entrará e sairá um “ser humano’.

“Os livros dos especialistas não podem dançar, nem sequer podem andar despreocupadamente ou saltar ao ar livre, e naturalmente não podem subir montanhas e chegar até a essa altura onde os caminhos se fazem complicados e o ar, difícil de respirar. Sua escrita indica algo pesado e oprimido que oprime e esmaga o leitor: um ventre fundido e um corpo inclinado, uma alma que se encurva; uma habitação pequena e sem ventilação, de atmosfera carregada, de teto baixo; formalidade e mau humor, movimentos cansados, falta de liberdade... e ‘vê-se sua corcunda, pois todo especialista tem corcunda’”. Jorge Larrosa, explanando crítica de Nietzsche aos “eruditos”

P.S.1 Dedico este texto a Aloysio Nogueira, ao quadrinheiro Dante, Davi Leal, Elder Monteiro, Luis Carvalho, Marcílio Colares, Marcos José, Mônica Colares, Paulo Assunção, Victor Hugo Neves, pessoas criativas e inteligentes que não fizeram doutorado. Dedico também ao músico e instrumentista baiano Tom Zé, igualmente criativo e inteligente, apesar do doutorado.
P.S.2 – Apesar de ter participado em diversas seleções para o doutorado que se enquadram perfeitamente nestes moldes, meu ingresso no doutorado deu-se de maneira bastante distinta. O curso aceitou, sem restrições meu currículo “generalista”, indicou um orientador (que portanto, ainda não conheço) e aceitou meu projeto, apesar de não ter citado, nem elogiado, nem sequer feito contato prévio com qualquer professor do programa.

[1] Professor do Departamento de Parasitologia da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Mestre em Ecologia (de lagartos) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e doutorando do Programa de Educação Científica e Tecnológica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Texto publicado pelo Jornalista Carlos Branco (A Crítica)
no espaço Pharmákon: veneno ou remédio
e pelo Jornal Amazonas em Tempo
em seu caderno de Ciência e Tecnologia

Educação Distrital - Vila da Quinta

Lilia Neves: Leituras em educação distrital

Introdução
                        Ainda são raros os estudos sobre a educação distrital em Rio Grande. Não obstante, no plano institucional, um silêncio e desinteresse conveniente nos núcleos das instituições relacionadas à educação no nosso meio. Poucas as ações afirmativas no campo das análises e processos avaliadores e nesta lógica que movimenta o modelo atual, pouco espaço para entender os mecanismos que forjaram no tempo as nossas identidades culturais.
            O trabalho sobre a Professora Maria Iveta de Araujo tenta resgatar pela oralidade e com o apoio dos documentos, a trajetória inicial da nossa educação. È simples, uma viagem na memória dos mais velhos, um roteiro pelo mundo das letras dos alunos do tempo distante.

“Permita que rompendo contra essa velha frase do tratamento de = senhoria=
use neste momento do pronome = tu =
Não é que eu tenha esquecido as tuas lições e os teus conselhos, mas a
intuição me faz ver que esta maneira de tratar supra a amisade.
E sendo tão grande, tão forte e tão merecedoura a amisade que nós te dedicamos,
é justo que ao menos neste momento, possa o nosso pensamento despeir-se dessa convenção social, apparecendo diante de ti na nudez pia, porem sincera do nosso reconhecimento.
demonstrando-te o muito que sentimos em ver-nos privada de teus sábios e profícuos ensinamentos.
Offerecendo-te em nome de minhas amiguinhas, esta mesa de doces, aproveito o ensejo para fazer votos de que na tua nova residência tenha sempre o tratamento,
e atenção que mereces, pela maneira fidalga com que sabes cumprir o teu dever”.

                                                                                                                      Disse

                Assim fora a despedida da Professora Maria Iveta de Araujo das alunas da aula do sexo feminino aqui na Vila da Quinta e lhe ofereceram uma cesta de doces e a acompanharam até a Estação Ferroviária. Uma das meninas era Eulália Paulina Soares, filha do Abdon Salies, a mais ligada à professora, sua vizinha e companheira nas horas vagas.
            Partira Iveta e ficaria o esquecimento do seu legado. Teria novos alunos na cidade na Aula Mista na casa de Francisco Lima, na rua Rheingantz, número 554, com duas peças alugadas (Jornal Rio Grande – 10/12/1928) uma para sexo feminino e outra para o sexo masculino e na rua movimentada pelo trânsito dos bondes e no porão da casa, os teimosos do dia, teriam meia hora de castigo depois do término da aula. (Lirba de Lima, 90 anos, entrevista em 18/06/2003, ex – aluna)
            Neste tempo, fim dos anos 20, professora Iveta morava na rua Visconde de Paranaguá, 51 e não teria mais a companhia da irmã Lilia Neves já falecida. Era uma mulher solitária. Sua sobrinha Walquiria, filha da Lilia estava sempre presente, mas morava em Pelotas e foi com os mimos da Walquiria que ficou os últimos tempos de sua vida.
            Era filha de João Batista de Araujo e Maria Aguiar Cardoso, moradores de Arroio Grande. (Cópia - Biblioteca Escola Lilia Neves) Iveta nasceu em 02/09/1968 e foi professora contratada do Estado dando aula no município do Herval. (Livro de Assentamentos de escolas e professores públicos. Livro 1 -094 -1900, AHRS). Junto com a irmã Lilia Neves, (Nomeada em 08/03/1909 para o Bibiano de Almeida) foi transferida para Rio Grande ( Apostila de 10/03/1909 removida para a Vila da Quinta a seu pedido. Livro I – Registros e Títulos de Professores, 1907-1913, AHRS) e começava a lecionar aqui na Vila ficando até aproximadamente o ano de 1922.
            No domingo do dia 13 de março de 1932, 10 anos após a morte da irmã Lilia Neves, na Sociedade Beneficente Portuguesa de Pelotas, às 22 horas morreria Maria Iveta de Araujo. O trem com o cortejo público       chegaria às 16 horas da segunda-feira  na Estação Central (Jornal E’cho do Sul, 14/03/1932, Biblioteca Rio Grandense) para o cemitério local. Não houve grandes homenagens com coroas em ramos de flores nem condolências das pequenas escolas onde trabalhou e nem proferiram discursos inesquecíveis quando morrera a professora Lilia Neves. O trem com seu corpo passaram pela Vila da Quinta e nada soubemos se aconteceu alguma manifestação. Hoje a homenagem que prestamos com seu nome desde 2009 é a sala de vídeos e de informática da Escola Estadual de Ensino Médio Lila Neves

            Entrevistas Transcriadas

Entrevista: Diana Neves Ribeiro
                   15/07/2003

         A minha avó conheceu a professora Iveta e dizia que ela era muita simpática, tanto ele como a irmã Lilia. Ela trabalhava aqui na quinta e inclusive morava aqui. A Lilia é que morava por períodos, principalmente nas férias de verão. A casa da Iveta, que minha avó contou, ficava do lado onde é o supermercado agora e a casa da Lilia era ao lado. O marido da Lilia vinha a ser parente do meu avô, o vô Celo, mas o nome era Marcelino Pereira das Neves, primo do Frutuoso Pereira das Neves que era casado com a Lilia.
            Minha avó materna era Elodina Dutra, morava no km 7, n zona da Coxilha e meu avô tinha um campo ali. Ela conhecia a Iveta que era solteira, não era casada e morava aqui. Depois, dizem né, ela foi morar com o sobrinho, ela não tinha ninguém pois eles eram de Arroio Grande e por não ter companhia, morava com o sobrinho.
            Ela dava aula na casa dela porque nesta época o colégio não existia. Minha vó dizia que ela tinha uma sala onde recebia os alunos para lecionar. A Iveta era uma pessoa... diferente da Lilia, era mais fechada e menos comunicativa, mas excelente pessoa. Era reservada, não gostava de sair de casa, conversava muito, mas com poucas pessoas e minha avó quando vinha a Quinta a visitava, eram amigas. A Lilia era diferente, expansiva, alegre e muito prestativa e a Iveta era calma e ficava mais em casa.
            As relações coma Iveta é que quando vinham aqui para a Quinta,, naquele tempo era só a carroça, tiravam uma semana, faziam tudo o que tinham que fazer, compras, ir de trem a Rio Grande, consultar... essas coisas assim, ficavam até uma semana e minha avó muito comunicativa, gostava de conversar, fazer amizades,, ela saia e fazia as visitas nos parentes e também naquele tempo só tinha a rua principal, Coronel Salgado, e até faziam as corridas de cavalo nela, as conhecidas pencas. Todos vinham das redondezas para as “carreiras” de cavalo aqui na Quinta, era sagrado nos fins de semana e um movimento enorme. Era toda a rua e era só esta rua que existia e com poucas casas. Era essa aqui, (residência atual, Dr. Nascimento, 396), a da esquina ( antiga Ferragem Zé Gonzales), depois ali onde é o Supermercado tinha outra casa antiga, também ali onde é o Galego, a do Antonio Louro que ainda tem uns traços da casa ainda. O cinema, o Cine 15, mas tinha outra casa lá onde tem um barzinho, também era antiga. Tinha a do Chuvas que podes ver pela fotografia, elas aparecem né, são de madeiras e telhado de zinco. Ali era um hotel do seu Maneca Chuvas. Ele hospedada as pessoas que vinham de fora e ficavam no hotel. Era uma casa de  madeira cumprida, mas bem forte. Depois com o tempo... o seu Maneca morreu, ficou somente o seu Luiz.
            Eu acho que deveria ter a homenagem para a professora Iveta. Não a conheci, mas sempre ouvia falar bem dela e creio que possa ter sido a pioneira na educação porque depois dela é que vieram os padres (Ordem de São de São José de Murialdo – Josefinos) que até meu ai estudou na escola deles. Foi uma Escola Agrícola que ficava em frente a Estação nos terrenos da Prefeitura.
            A minha mãe é de 1910, lá do Belendengue e estudou com a tia Dalva. Ela deu aula aqui na quinta também e depois foi para Rio Grande. È importante porque naquela época as filhas mulheres aprendiam o essencial; ler, escrever e fazer conta e os homens, os que tinham possibilidades e recursos dos filhos estudarem, mandavam para Rio Grande para tirar o ginásio. Nem imaginas tirar o ginásio naquele tempo era uma grande coisa. Meu tio se formou e virou Guarda Livre e era o Guarda Livre de uma Estância, fazia a contabilidade da estância, mas as mulheres... era só o essencial.
            Depois que a Iveta foi embora, nunca mais soube noticias dela. Somente depois que meu pai (Décio Vignoli Neves, era escritor, nasceu na Quinta) começou a trabalhar nos livros “Vultos do Rio Grande” é que ele começou a falar na Iveta e na Lilia. Conseguiu falar com a Walquiria, a filha da Lilia Neves, porque além do parentesco, fazia versos, rimava assim, como a Walquiria e por intermédio dela, meu pai foi achando coisas da Lilia e da Iveta. Creio que meu pai não conseguiu muita coisa, e se tiver, não sei onde pode ter ficado.
            A Iveta era mais reservada, mais fechada, mais.. feinha também né, coitadinha, então era aquele negócio, a Lilia era mais simpática, bem casada, mas por justiça deveria ter uma homenagem a Iveta, acho eu.

Entrevista: João Correia          
                  08/06/2003 

         Eu conhecia a Dona Iveta e ela dava aula, não sei se era lá para baixo (apontava para a rua Cel. Salgado em direção a Vila Santo Antonio) ou aqui na frente que tinha uma escola que era do genro do Luiz Costa que dava aula particular. (defronte ao salão paroquial).
         Conheci a Iveta sim. Ela era baixinha e boa pessoa. E todos gostavam dela e morava aqui na Quinta, mas não me lembro dessa Lilia Neves. Não fui aluno dela pois eu era mais velho. Eu comecei na Escola dos Padres e quando eles foram embora, fiquei estudando com o professor que era genro do Luiz Costa, mas não lembro o nome dele.
         Olha se eu visse o retrato dela eu a reconhecia, até porque eu já tinha uns 12 anos. Vou fazer 94 anos. Passaram-se 82 anos, é um bocado de anos para a gente se lembrar, afinal sou de 1909.
          Quando eu estudava, meu professor era o padre Humberto (Humberto Pagliane, responsável pela Escola Agricola da Quinta) ele era o chefe e tinha uns 3 a 4 padres, mas ele era o chefe. Ele era muito bom, meio doutor saindo por essa campanhas curando gente, meio homeopático né. Precisavam dele nesta campanha aí, ele ia atender. Depois veio um outro, usava um cavanhaque, chamado padre Eustáquio. Teve outro que morreu aqui, era o padre Inácio e era neste tempo que eu estudava na Escola.
         Sou filho daqui mesmo e meu era de Santa Vitória do Palmar, João Corrêa Mirapalheta e em 1909 eu nasci aqui.

Entrevista: Jandira
                  03/06/2003

          Eu estudei no Lilia Neves que antes era uma escola do município e foi o que aprendi na vida e fui só até a 3ª série. Hoje estou com 77 anos e sou de 1926 e quando eu estudava tinha 3 professoras. A dona Julinha que era viúva, a  Julieta que era filha da dona Julinha e Dalva Nicola. Elas moravam aqui e a Dalva Nicola morava lá onde era a Sotil ( Passando a sub estação da CEEE, lado direito da Br 471), ali era a estância dela.
         Depois passou a ser Lilia Neves. Antes não tinha nome não e então mudou para melhor. Vieram professores de Pelotas e essa Gilda que era de Rio Grande. Eu estava no colégio e teve festa quando botaram o nome de Lilia Neves. Não teve salgadinhos como hoje né e se batiam palmas, naquele tempo já era alegria. Teve jogos, desfile, ginástica com a professora Carmem Vaz. Tinha outras professoras além dela como a Noemi Gigante, casada com o Antunes, a Emilia Machado e a Nair Pasquer. Eram as quatro professoras que vinham de trem e elas passavam a semana aqui, iam embora no sábado e voltavam no domingo à noite, no Bagé, naquele tempo tinha o trem noturno.
         Elas ficavam nas casas de famílias aqui durante a semana, mas quem pode     te informar melhor são as ‘Maragatas’ pois são do meu tempo. Estudavam, jogavam e como jogavam. Nós íamos ao Povo Novo, nós brigávamos com elas lá. Era aquele jogo do saque, sabe? vôlei né e no colégio de madeira que incendiou, aliás, diziam que botaram fogo de propósito e ficava perto da casa do Sergio Carvalho (defronte ao DTG Tangara no antigo Horto). Ali foi o segundo Lilia Neves, o de madeira que o antigo de material desabou e depois construíram esse prédio de agora. ( 1961)

Entrevista: Alcidina Salies Pontes
                   18/06/2003

         Esse poema é  que minha mãe leu no último dia de aula da dona Iveta na escola lá na Quinta e guardei isto com muito carinho. Foi uma despedida PIS a professora passou a lecionar em Rio Grande e o nome da minha mãe é Eulália Paulina Salies e depois de casada ficou Farinha no sobrenome. Ela era filha de Abdom Salies e Arzelinda Poester Salies, moradores na Quinta a muitos anos. Minha mãe dizia que a dona Iveta foi a primeira professora que ficou vários anos aqui na Quinta e minha mãe nasceu em 1901.
         A aula não era particular, tinha vários alunos e eu não sei onde ficava o colégio. Sei que minha mãe a esperava todos os dias na Estação e iam junto para a escola, assim contava ela. A dona Iveta morava em Rio Grande e vinha todos os dias de trem para a Vila para dar aula, mas talvez ela tenha ficado na Quinta no verão, porque ela morava com a irmã, dona Lilia Neves que veraneava lá , elas sempre moravam juntas.
        Minha mãe não aceitava que a Escola da Quinta não tivesse o nome ou alguma coisa que lembra-se a  dona Iveta porque a dona Lilia Neves nunca lecionou na Vila da Quinta.
       Minha mãe casou com Alcides Garcia Farinha e não morava na Quinta quando casou em 1927. Veio para Rio Grande em 1918 mas meu avô continuava a ter campos aí. Eu não sou professora, trabalho na assistência social. Sempre gostei de trabalhar com crianças pobres e procuro fazer alguma coisa por elas.
       Sei pouco sobre a Lilia Neves e somente aquilo que a minha mãe dizia, que as irmãs moravam juntas, a Iveta era solteira e a Lilia dava aula em Rio Grande. Para ela era a Iveta que merecia uma homenagem e não a Lilia Neves.

Geribanda: GT Afrodescendentes, quilombolas e indigenas

          
 Afrodescendentes e quilombolas. Uma reflexão sobre a Geribanda.

            O Pontão de Cultura da FURG  realizou este ano o seu encontro cultural com o tema “Identidades” entre os dias 25 a 29 de novembro, propondo algumas reflexões interessantes. Primeiro é que se comemora  o ano Internacional dos Afrodescendentes e lá estava a temática afro discutida nas oficinas e seus temas relacionados. Passaram entre outros itens, as discussões do ensino na Universidade, a realidade quilombola e o tema vigente sobre as Cotas Sociais. Era a prioridade dessas discussões em oferecer ferramentas à Universidade na sua caminhada para a implantação do sistema de cotas para negros como uma das principais medidas afirmativas a serem adotadas em defesa da população afro-brasileira, pois possibilitaria a inserção de um contingente considerável de estudantes negros na Universidade local. Hoje as Universidades têm autonomia para criar seus próprios sistemas de cotas, entre elas as reservas para negros, quilombolas, indígenas e ex-alunos das escolas públicas entre outras categorias e a FURG tem em seus créditos o sistema de bonificação, pontuação acrescida na nota do vestibular.
            São Ações Afirmativas que visam combater as desigualdades sociais resultados de processos de descriminação negativa a setores da sociedade desprivilegiados ao longo do tempo. Como modelo ( e tem lá suas limitações) participaram da Oficina sobre Afrodescendentes, quilombolas e indígenas, as experiências afirmativas do UFRGS e a Associação dos Estudantes Negros da Universidade Federal de Santa Maria, trazendo suas contribuições no debate entre os representantes dos movimentos sociais negros e quilombolas da região sul, desde Tavares à experiência quilombolas do interior de Pelotas.
            A reflexão proposta não é para a Universidade, aliás, os encaminhamentos  foram valiosíssimos para futuras ações das Politica de Cotas a serem implantadas. Foram 20 encaminhamentos gerados pelo debate do GT, mas alguns pontos reordenados no documento, o movimento negro precisa repensar.  Fora sugestões individuais, mas expõe preocupações quanto à doutrina que os movimentos carregam em suas lutas.
            Uma proposta seria de negros votarem somente em candidatos negros. Não. Vota-se em candidatos, que segundo critérios de engajamento político, trabalha ou tem bases no comprometimento da causa negra. Não se pode pensar em mundos a partes, nem dos brancos, nem dos negros, mas uma sociedade que busca corrigir as distorções, heranças da escravidão brasileira até o fim do século 19. Também pouco ajudou a ler trechos de Gobineau, retirados de seu “Ensaio sobre a desigualdade da raça humana” de 1854 na tentativa de sensibilizar a plateia. A teoria e doutrina racial de Joseph Arthur, o Conde de Gobineau foi a base teórica de Hitler ao promover a superioridade da raça ariana. Mas nesses encontros não precisamos entender  os conceitos de uma Europa doentia e segregadoura, basta estudar os documentos cartoriais e os Livros de Assentos da Igreja do período escravocrata aqui da nossa volta. Vendas, permutas, empréstimos, hipotecas, testamentos, presentes e açoites no dia-dia do mundo escravista em nosso meio.
            Foi apenas uma reflexão diante do manancial produzido pelo GT Afro, Quilombolas e Indígenas e este é o papel da Universidade. Valeu a Geribanda 2011.

A ferrovia no Sul

O sonho de Hygino e a Ferrovia Sul/Norte
As Estações Ferroviárias entre Bagé e Rio Grande foram oficialmente inauguradas em 02.12.1884. Uma uniformidade da informação na trajetória dos caminhos de ferro, mas que de certa forma reduz em muito a perspectiva do conhecimento histórico de um fato de extrema importância ainda na antiga Província de São Pedro e suas relações com o mundo capitalista e pré-industrial em nosso meio.
Um nome e esquecido é de Hygino Corrêa Durão. Foi com ele os primeiros estudos para a construção da Estrada de Ferro do Rio Grande ao entroncamento Cacequi. Pela lei nº 776 de 04.05.1871, ele obteve a concessão para a construção da estrada de ferro. Partiria para a Europa para contratar técnicos e engenheiros capacitados e buscar financiamento nos bancos de Londres, levando junto às boas intenções do Governo de D.Pedro II no processo de expansão no sul de uma malha ferroviária. Ele sabia dos fuxicos provincianos, pois a vizinha Pelotas tinha enorme preocupações pela construção da linha para Rio Grande temendo que o comércio de importação e exportação para o interior se deslocasse também para Rio Grande. Não foi por nada que os encarregados do Governo de fiscalizar os estudos das viabilidades técnicas,  em dois anos jamais emitiram nenhum laudo e estavam hospedados em Pelotas.
Mas em 22 de junho de 1876 falecia na capital do Império, Rio de Janeiro, Hygino Durão, tornando-se nulo os seus direitos de estudo, construção e administração da linha projetada. Haveria temerosos interesses, às vezes velados que passavam desde a capital da Província, Porto Alegre, aos favorecimentos locais, mas seus sócios tinha a plena convicção que se tornaria real esta linha férrea e sua importância para a economia da Província. Mas a revelia dos estudos e sem justificativas convincentes, outras influências patrocinariam em primeiro lugar o trecho Porto Alegre a Uruguaiana.
A Audiência Pública sobre a Ferrosul na última sexta-feira na Câmara Municipal do Rio Grande, foi como fazer um retorno a 135 anos atrás, resguardados os interesses modernizados. Pode haver necessidades compartilhadas, diferenças geográficas, mas acima de tudo é preciso definir a opção politica em investir pelo modal ferroviário no transporte de nossas riquezas. O Grupo de Apoio  e Estudos da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul e suas consultas Publicas pelo Estado, propõe colher dados e ações afirmativas da sociedade para a viabilização do traçado da Ferrovia Sul/Norte até o Porto do Rio Grande.
Falta-nos mais Hyginos e seu empreendedorismo. O capital internacional dos conglomerados de transportes ferroviários se amanceba às fragilidades dos governos e seus descontroles sob a ótica de preservação do patrimônio público e o exemplo da rifa barata das licitações de arrendamento e concessão dos serviços ferroviários na privatização da RFFSA foi um exemplo.
Rio Grande até que foi bem representada na Audiência Pública pela sociedade civil e o incansável Alexandre Lindenmeyer, mas ficou a impressão que de sonhos e saudosismo, pouco vai ajudar. São precisos detalhes técnicos, viabilidades econômicas, homens públicos com a noção e dimensão competitiva do mercado de cargas que interligam a geografia fluvial, rodoviária e ferroviária. Hygino e seu tempo, mas não custa nada ver a “Memória Justificativa sobre os Estudos definitivos para a Estrada de Ferro do Rio Grande ao Entroncamento Cacequi”, RJ, 1876 que está na Biblioteca Rio Grandense. O homem que foi o incorporador e empreiteiro das Hidráulicas de Pelotas e Rio Grande, construiu a 1ª Ponte no Piratini, ajudou na aquisição e construção do antigo  cais de madeira do Porto Velho e o esforço que o trem teria que partir dessa cidade, merece mais. Até o respeito dos políticos locais.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

       
O (des) encanto da Praça Tamandaré


            O que podemos definir por praça? Seria um espaço aberto onde convergem várias ruas ou mesmo associar a presença de ajardinamento e local de convivência, recreação e uma relação empobrecida da  Ágora ateniense do embate político e das questões da coletividade?
            Pode ser uma definição simples, mas impõe outros questionamentos quanto a sua utilidade na convivência social dos centros urbanos. A Praça Tamandaré é um exemplo. E qual é a nossa relação com a praça, afora o vai e vem do ônibus ou o encurtar  caminho em direção ao calçadão?
            Compondo no eixo chamado centro histórico do município, nem percebemos as mutilações e percepções estéticas visíveis a um centro multifacetado e o tensionamento diário do espaço envelhecido.
            Nosso olhar nos últimos anos é de certa maneira um insosso faz de conta. As relações estabelecidas quanto a paisagem urbana  central não podem serem vistos da ótica do tráfego automotivo e é esse reducionismo que preocupa. As transformações estéticas e urbanísticas advêm da necessidade não só do crescimento urbano e populacional, mas entender nesse sincronismo, a vitalidade de um público fragmentado e do consumo de bens que passaram aos poucos a usufruir as estruturas vigentes.
            A Praça Tamandaré e o seu desleixo assustador no campo das ideias, não pode ser uma leitura isolada, mas compor afinidades entre o uso público e o patrimônio arquitetônico de um centro antigo. Na sua longa trajetória no tempo, a praça já serviu água a vizinhança que os escravos buscavam em barris, já esteve cercada de arames, foi testemunha de insistentes debates para ceder um espaço para construir uma nova  igreja  Matriz de São Pedro e um dia quase extirparam um pedaço de sua área para acomodar interesses da Câmara Municipal com a Fábrica Ítalo Brasileira e dos Charutos Poock, isso tudo no século 19.
            A Tamandaré surgiu do esplendor e beleza no ano de 1895 dos cômoros antigos e pântanos da velha Geribanda e da Praça dos Quartéis, seus nomes no passado, compartilhados entre moinhos, passeios no lago artificial e chafarizes em ferro fundido da arte francesa moldando na geografia dos sonhos, manifestações e identidades em fotografia “preta e branca” do passado.
            Não há um segmento isolado que possa absorver as carências da Tamandaré. Entender as mudanças necessárias com a circunscrição de uma leitura arquitetônica ao entorno do complexo centro histórico e a sua sobrevivência, está relacionada ao reconhecimento de seu significado como expressão da  história nas formas expressivas de todo o tecido urbano. Por isso é importante considerar o espaço visual da cidade como espinha dorsal de todos os projetos, referência básica sem a qual não é possível planejar nenhuma transformação. Uma ideia ou ao menos uma inspiração inteligente.

Historiador
  
            General Go:  Golbery e as feridas que ainda machucam

            Nos últimos tempos, a cidade viu-se envolvida sobre a homenagem ao General Golbery Couto e Silva. Manifestações diversas e debates ríspidos na qual as partes defendiam na ótica de suas verdades, a negação ou a afirmação do projeto então proposto. O enfrentamento no campo das ideias permeava a disputa das contradições centrada no eixo básico: as benesses que Golbery fez pela cidade e suas maquinações perversas do período ditatorial.
            São duas verdades em que as partes buscavam destruir como se o essencial da vida do General tivesse  sido pautado sob a ótica em disputa. Nem ele gostaria desses “apreços” que estão lhe propondo porque uma das características da figura controvertida de Golbery era sua preferência dos subterrâneos aos holofotes.
            Perdeu-se tempo em demonizar ou tentativas simplistas de colocá-lo no panteão das celebridades ingênuas e que tanto ofereceu a sua terra natal. Ora, essa cantilena não trouxe nenhuma novidade aos debates e a necessidade através deste confronto,  o significado da ditadura no Brasil.
            O General Golbery representou o personagem chave do país desde os anos de 1950 e   sua prática é coerente com seu pensamento e não custa nada rever suas obras que demarcaram sua trajetória politica, como o Planejamento estratégico  (1955) e Geopolítica do Brasil (1981). (Ver  em Frederico Carlos de Sá Costa –‘ Repensando Golbery’ – Universidade Federal de Juiz de Fora)  A crítica, neste sentido, é que não se veja só o escárnio ditatorial, base do debate, mas buscar 10 anos antes quando em 1954, lá estava o Tenente-Coronel fustigando no Governo de Getúlio e estimulando a demissão do Ministro do Trabalho, Jango, e esteve preso em 1955 porque foi um dos articuladores da “novembrada”, movimento que visava impedir a posse de JK e de sue vice, Jango. Com a renúncia de Jânio Quadros, oferecia a João Goulart, o vice que  assumiria, o sistema parlamentarista, mas sem antes interagir nos bastidores para Goulart não assumir a Presidência do país. Passaria para a Reserva coordenando o IPES, esteve no IBAD e no Movimento Anti Comunista na intensa conspiração contra o governo.
            Com o sucesso do Golpe de 1964, foi para o SNI com  status de    Ministro, mas com a chegada da linha dura de Costa e Silva, cai no ostracismo e foi trabalhar na filial multinacional da Dow Chemical em 1969. Novas polêmicas. Retorna como Chefe de Gabinete Civil em 1974 com Geisel e esteve na condução da “transição transada” cujo ritmo pretendia aumentar, segundo Assunção, (ver em www.espaçoacademico.com.br/070/70assuncao.htm) aproximando-se dos membros da Igreja e outras lideranças. Mas se havia pequenos entendimentos, no Governo Geisel, sérias violações dos direitos humanos, censura e arbitrariedades. Para ele, os inimigos deveriam ser monitorados e enfraquecidos, nunca aniquilados para se fortaleceram e nem criar mártires e guiou-se por essa visão ao conduzir a distensão. Com João Figueiredo na presidência ficou de 1979 a 1981 e contrário às ações do terrorismo de direita desliga-se e vai trabalhar na diretoria do Banco Cidade. Afastou-se da vida pública, como diriam os especialistas, mas continuava a serviço de uma burguesia entrelaçada ao poder e seus interesses e via na sua ideologia pragmática, sempre voltada aos problemas do Brasil e suas injunções conservadoras. Renegava os comunistas, desprezava a democracia, era odiado pela linha dura, nacionalista extremo e pensava na industrialização subordinada ao capital internacional.
            A discussão de uma placa em seu nome poderia gerar novas formas da discussão quanto ao período de exceção no Brasil. Uma placa? Um busto? A memória em pedaços, fatiada de acordo com os interesses. Para muitos o “satânico” Dr. Golbery ressuscitado, para outros um eterno injustiçado. A homenagem mal conduzida por um grupo de súditos e a reação imediata da sociedade civil impuseram novas reflexões. As feridas ainda não curaram.
  
                 Kiriku, a Feiticeira e a Estrada da Palma

                Um filme surpreendente assinado por Michel Ocelot, “Kiriku e a Feiticeira”, bem que poderia ser lembrado quando o assunto fosse sobre a cultura afro-brasileira ou a temática sobre a consciência negra.  Trata de uma lenda africana recontada aos encantos do premiado desenho animado no qual Kiriku, um menino minúsculo e seu dom especial, nasce em uma aldeia e vem ao mundo para livrar seu povo da opressão da temível feiticeira Karabá. O desenho viaja com o pequeno herói em diversas situações do mundo místico das lendas africanas para salvar seu povo das mãos da feiticeira. Kiriku tem tudo de um pequeno herói: dócil, curioso, inteligente, meigo e não sabe mentir.
                Foi por isso que me lembrei deste filme, por causa do verbo mentir. Ele é transitivo direto, mas, indiretamente me aguçou a memória. Foi há dois anos no debate entre os vices à Prefeitura do Rio Grande, no Povo Novo, e foi questionado  aos candidatos a situação precária das estradas interioranas. Ficava a promessa que até o fim do ano as máquinas e o saibro estariam na Estrada da Palma, isto em 2009, e era promessa do representante situacionista.   Pois bem. Semana passada percorri a estrada e não vi nenhum melhoramento. Nada. E não é uma estrada qualquer. Seus traçados básicos já estavam delimitados no mapa de Canno y Olmilla desde os anos de 1776. Os antigos caminhos e ocupações indígenas  e que depois serviram de rota aos tropeiros que vinham do sul em direção as charqueadas pelotenses no século 19, continuam mal cuidados. O primeiro e único saibro colocado já ultrapassou 30 anos e pouca coisa mudou.
                Na campanha eleitoral, sabemos, valem as promessas vazias, contínuos engodos, farsas já ultrapassadas, mas na efetivação dos cargos postulados, porque esse marasmo? Tem que ter ousadia e conhecimento. Recordo então Kiriku que foi atrás do sábio nos altos da montanha sagrada se aconselhar e descobrir o segredo para vencer a malvada feiticeira Karabá. No fim do filme, o sábio reafirma que o nosso herói não mente, mas e nós, cidade real, o que fazer?
                 Nem uma estrada histórica com seus 230 anos nossos gestores conseguem enxergar. Nestes caminhos circulam nossos produtos primários como o leite, o arroz, a cebola, a produção de gado, mas falta circular o conhecimento, alternativas de rendas sustentáveis, rota de turismo rural, apoio a agricultura familiar e fixação do homem no campo, políticas públicas e boa vontade. Falta transparência e verdades.
 Kiriku é uma obra que vai além da magia das lendas da África Ocidental. Indicado para crianças e adultos, mas o tema recorrente é a inspiração que precisamos fazer algo.

Matrimônio em Santa Isabel no limiar do Império

     
Nubentes e Matrimônio; o cotidiano casadoiro em Santa Izabel dos Canudos.
1882 a 1885

Introdução
                        O fascínio pela criação do município estava no auge. Os nascimentos e os casamentos seriam a partir de julho de 1882 assentados como sendo oficializados na Villa de Santa Izabel dos Canudos, na Igreja Paroquial e não mais na Capela Filial do Arroio Grande. O 1º casamento lavrado em ata foi em 15.08.1882, após 45 dias da eleição dos vereadores da Câmara Municipal. Estavam definidos os rumos políticos e o perfil dos Liberais e seus projetos para Santa Izabel. Até o Auto de Instalação do novo município em 27.01.1883 tudo seria festivo. O primeiro casamento, primeiro batizado, a penca oficial, o baile da eleição, os vapores e suas bandeiras coloridas e até os tropeiros no passo do São Gonçalo em direção as charqueadas dividiam a alegria da emancipação.
            Depois do janeiro onde o selo da criação do distrito seria carimbado pelo Presidente da Província, tudo se modificaria e nada mais de festa. Retaliações, atrasos documentais, marasmo, insolência e má  vontade em aceitar o novo município de Santa Izabel passava a ser o novo desencanto com o Arroio Grande.
            Os casamentos entre 1882  e 1885 surgem nesta épica página da História local. A sociedade, a mobilidade social, o processo de urbanização e as mudanças de natureza socioeconômicas e políticas ocorridas neste período, compõe um leque visto através dos registros paroquiais quanto aos casamentos em Santa Izabel.

Antes era o sonho, depois o caos

            Porque falar em casamento? Porque lembrar os casamentos do passado se hoje eles estão em desuso? Talvez as respostas se insiram num pequeno recorte da curta existência da Vila de Santa Izabel, portanto, entender a dinâmica que diz respeito a vida social e os aspectos cognitivos de uma sociedade retratada sob dois olhares; da alegria de um pertencimento histórico ao maniqueísmo destruidor das utopias possíveis.
            E é esse o papel do historiador, buscar no passado as respostas para as indagações do presente. È encontrar fragmentos de uma sociedade em erupção, perdida nas insatisfações e longínquas lembranças.
            Antes de tudo é preciso entender o que era casar no século 19, as relações estabelecidas entre as famílias na qual sempre passava pelo consentimento do pai ou em muitas vezes a escolha ‘adequada’ do futuro esposo/esposa e que invariavelmente a imagem da mulher estava associada às de esposa e de mãe. Nesse sentido, a família patriarcal que Gilberto Freire enuncia em sua obra “Casa Grande e Senzala” incluía o quesito de proteção à mulher, pois era competência do esposo zelar pelo bem estar da família.
            A celebração do casamento obedecia a um rito social, reafirmando um conceito moral que entre as classes mais ricas, tendiam a transformar em bens e riquezas, tendo a aprovação familiar como sendo indispensáveis.
            Santa Izabel também teria algumas particularidades interessantes que neste momento o trabalho não consegue ou não se propõe analises individuais, mas chama a atenção a idade dos noivos, principalmente do homem, com média de idade de 28 anos e a idade da mulher que contraia matrimônio com 22 anos.
            Santa Izabel dos Canudos era uma paróquia longe das metrópoles, mas que oferecia acessos relativamente fáceis a centro maiores, comparados a sua situação portuária, mas haveria a oficialização das relações extras oficiais superiores aos chamados ”casamentos legais” dentro do espaço católico aquele tempo?
            Os noivos de outras localidades representam 31% do contingente masculino e 14% dos noivos eram de outras cidades com maior número de nubentes as cidades de Rio Grande, Arroio Grande e Pelotas. O que percebemos quanto a idade dos noivos é que não está somente relacionados aos moradores da Vila, mas contingentes com a mesma média de idade que vinham de outras cidades. Seria a falta de homens brancos e de uma faixa de renda estável para os padrões das oligarquias locais?
            Nos dados tabulados, não foi alterado a média de idade quando analisamos o contingente de noivos filhos de imigrantes, que representam um universo de 21% da presença de estrangeiros nos casamentos na localidade. São famílias de origem uruguaia, (Barcelos, Cordeiro e Gulart) italiana (Trident, Vazzoleri e Magrini) e portuguesa (d’Areas) que basicamente formaram o nicho casadoiro.
            O que podemos definir nesse ensaio sobre os casamentos é que eles tinham faces multifacetadas que caracterizavam o novo município. Economicamente toda a riqueza estava pautada na produção de bois, charque e exportação via porto de Rio Grande, mas a economia periférica do comércio urbano e serviços (mascates, hotéis, carpintaria, ferraria, açougue...) estavam entrelaçadas desde seu 2º distrito, a Estação Piratini, hoje Pedro Osório, a extensa região do Chasqueiro. Também não podemos esquecer as relações escravagistas com a presença maciça de negros  na qual dos casamentos analisados, somente uma noiva em 1884, filha de escrava casaria na Igreja de Santa Izabel. Muito pouco para uma população que representava mais de 50 % dos habitantes do município isabelense.
            O dia escolhido para os casamentos, as segundas-feiras representavam 43% dos dias da semana, mas casavam entre as segundas-feiras ao sábado e os meses que mais casaram foram outubro (6) e novembro (4).
            Assim foram os casamentos em Santa Izabel dos Canudos. Algumas particularidades no recanto sul da Província, mas nos informam os aspectos da mobilidade social e dos agentes culturais de um povo e sua formação etnográfica.